No
décimo primeiro dia. Tudo continua igual. Por onde andarás? Será
que estás com medo do vírus?
Eu
não tenho medo.
Nem
do vírus nem da morte. Sabes, deixei todo o medo que tinha quando me
roubaram dois anos da minha juventude.
Nem
mesmo quando um outro mal se instalou dentro de mim silenciosamente,
sem dor e sem dar sinal da sua existência ia progredindo, senti medo
ao ouvir o diagnóstico da biopsia ou depois quando me levaram para a
sala de operações.
Mas
não deixo de ter outros medos, outros receios, até me dizem que sou
pessimista. Quando tal acontece calo-me, fecho-me sobre mim mesmo
tipo caracol.
Estou
cansado. Saturado de ouvir tanta falta de senso comum, tanta falta de
humanismo. Tantos mascarados que ao usarem as máscaras da moda por
causa do medo que outros a todas as horas e minutos estão
espalhando, se desmascaram e ficam nus perante o meu olhar. Um nu
diferente mas nem por ser diferente deixa de ser um nu.
Como
é possível representantes de associações, de federações que se
dizem de pais e de educação, assim como haver professores e
responsáveis de educação falarem que há alunos que continuam a
estudar a ter aulas… Como é que essa gente vive sem pensar nos
outros alunos cujos pais não lhes podem dar um computador ou
Internet em casa. Não serão essas crianças e jovens filhos
iguais deste País? O que é que essa gente pretende? Que objectivos
têm?
Sentado
na varanda olho a cidade grande lá ao fundo.
No
outro tempo quando a Paz podre do consumismo reinava, os céus que
nos separam enchiam-se de pássaros metálicos voadores uns que
vinham e outros que iam para a cidade grande numa cadência de
segurança calculada.
Era
um tempo com outra dimensão. Um tempo de corridas loucas sem outro
objectivo que não fosse o correr e dar nas vistas. Tempos de
exaltação dos pequenos podres de um viver consumista onde todos
correm para a morte sem se aperceberem que nesse instante todas as
ostentação, toda a soberba, o todo do todo fica cá e quantas vezes
abandonado. Um tempo de muitos enganos, de muitas promessas sem
conteúdo, de felicidades escondidas. Agora com o medo que o bichinho
e os poderosos sem rosto espalharam e espalham o céu que me separa
da cidade grande está cheio de pequenas nuvens, de pequenos sonhos.
Os pássaros metálicos já
só voam em acções humanitárias.
Vou
continuar a olhar a cidade grande lá ao fundo… vou continuar a
sonhar
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