domingo, 29 de março de 2020

Décimo primeiro dia do resto das nossas vidas


No décimo primeiro dia. Tudo continua igual. Por onde andarás? Será que estás com medo do vírus?
Eu não tenho medo.
Nem do vírus nem da morte. Sabes, deixei todo o medo que tinha quando me roubaram dois anos da minha juventude.
Nem mesmo quando um outro mal se instalou dentro de mim silenciosamente, sem dor e sem dar sinal da sua existência ia progredindo, senti medo ao ouvir o diagnóstico da biopsia ou depois quando me levaram para a sala de operações.
Mas não deixo de ter outros medos, outros receios, até me dizem que sou pessimista. Quando tal acontece calo-me, fecho-me sobre mim mesmo tipo caracol.
Estou cansado. Saturado de ouvir tanta falta de senso comum, tanta falta de humanismo. Tantos mascarados que ao usarem as máscaras da moda por causa do medo que outros a todas as horas e minutos estão espalhando, se desmascaram e ficam nus perante o meu olhar. Um nu diferente mas nem por ser diferente deixa de ser um nu.
Como é possível representantes de associações, de federações que se dizem de pais e de educação, assim como haver professores e responsáveis de educação falarem que há alunos que continuam a estudar a ter aulas… Como é que essa gente vive sem pensar nos outros alunos cujos pais não lhes podem dar um computador ou Internet  em casa. Não serão essas crianças e jovens filhos iguais deste País? O que é que essa gente pretende? Que objectivos têm?
Sentado na varanda olho a cidade grande lá ao fundo.
No outro tempo quando a Paz podre do consumismo reinava, os céus que nos separam enchiam-se de pássaros metálicos voadores uns que vinham e outros que iam para a cidade grande numa cadência de segurança calculada.
Era um tempo com outra dimensão. Um tempo de corridas loucas sem outro objectivo que não fosse o correr e dar nas vistas. Tempos de exaltação dos pequenos podres de um viver consumista onde todos correm para a morte sem se aperceberem que nesse instante todas as ostentação, toda a soberba, o todo do todo fica cá e quantas vezes abandonado. Um tempo de muitos enganos, de muitas promessas sem conteúdo, de felicidades escondidas. Agora com o medo que o bichinho e os poderosos sem rosto espalharam e espalham o céu que me separa da cidade grande está cheio de pequenas nuvens, de pequenos sonhos. Os pássaros metálicos já só voam em acções humanitárias.
Vou continuar a olhar a cidade grande lá ao fundo… vou continuar a sonhar

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