E
ao quarto dia chegamos a domingo. Um dia normalmente mais calmo mesmo
nos tempos de paz. Neste tempo de guerra ao invisível vírus a rua
apresentava-se ainda mais deserta do que nos dias anteriores. Há
mesma hora de todos os dias, tirando um autocarro de onde desceram
duas trabalhadoras do lar de idosos que existe aqui na rua, nem um
carro circulava na estrada nacional número dez. O silêncio que
reina começa a cansar. Seguimos sem passar a ponte para o outro lado
já que vi várias pessoas vestidos a preceito a atravessá-la para
irem caminhar e ou correr pelos trilhos. Pensei que chegando ao
parque de estacionamento que existe entre a estação do comboio, as
paragens dos autocarros e as duas escolas de ensino a podia libertar.
Enganei-me. Andava por lá um velho conhecido dos trilhos que gosta
de fazer corrida de manutenção para a sua forma física.
Regressamos a casa no nosso passo de pastora alemã.
Observo
nas redes sociais gente nova
falar mal dos mais velhos como eu que andam na rua a passear os seus
animais ou simplesmente vão dar o seu passeio higiénico diário.
Não os entendo. Saio para a rua pela manhã quando muitos ainda
dormem. Ando com
umas luvas daquelas usadas nos trabalhos domésticos de limpezas.
Fora de casa apenas toco na porta do prédio dos dois lados porque a
tenho de abrir quando saio e quando entro. Não uso máscara porque
não as tenho e nunca gostei de mascarados, não sendo obrigado não
as uso. Quando abro a porta de casa tenho o frasco do álcool à
entrada que vai dando para
desinfectar as luvas, às vezes até as lavo com sabão antes de
passar o álcool. Aqueles que tão mal falam dos velhos que andam a
passear os seus animais não sabem, não imaginam o que eles pensam e
sentem em relação ao medo da morte, do sofrimento, do mal fadado
vírus, que veio por em causa todo o modelo de sociedade onde uma
minoria vivia como nababos
enquanto
a grande maioria iludida-se num viver de faz de conta, muitos deles
vegetando para alimentar a esperança de poderem dar e ter um outro
modo de vida. Gente que da
vida pouco sabem, pouco
conhecem pelas facilidades que os mais velhos com suor sangue e
lágrimas foram construindo ao longo da história. Gente que
na sua possível maioria os
mais velhos progenitores lhes facultaram felizmente um crescimento de
muitas facilidades pelo que agora
quanto ao respeito pelos outros só conhecem "os seus direitos".
Os mais velhos morrem mais nesta guerra biológica porque pela idade
vão-se perdendo as forças da imunidade, pelo
próprio passar dos dias vão ficando mais sedentários, mais
imobilizados, mais fracos para poderem
resistir
ao ataque traiçoeiro que o vírus lhes prega.
Eu
não tenho medo do vírus, não tenho medo da morte, tenho medo é
dos humanos, desses eu tenho medo um medo crescente face
à geração de papagaios
jornaleiros necrófagos
que invadiram os órgãos de comunicação social televisiva. Desses
mabecos, dessas hienas falantes vou
ficando com medo e, como já
não tenho a minha ex-companheira G3 para lhes dar um tiro entre as
pernas, irrito-me, chamo-lhes todos os nomes feios do meu íntimo
vocabulário de
seguida chateado
corto-lhes o pio ou levanto-me e
vou para outra divisão da casa onde eles não entram. Sim,
corto-lhes o pio. Eles não falam, eles e elas piam como os corvos e
os grifos, guicham como as hienas quando se babam para degustar um
outro animal moribundo.
Mas,
voltando ao meu andar pelas ruas desertas ia
eu pensando
mais uma vez na educação, na vida futura das minhas netas e do meu
neto. Como
irá ser o futuro deles. Como estará o aprender da minha neta mais
velha no sétimo ano e em casa forçada pelo vírus fdp. Não duvido
que ela estará estudando e fazendo os seus exercícios. O
que me preocupa mais são todos os alunos, bons, médios, sofríveis
e maus, em causa sem aulas e muitos deles sem computador ou internet
que lhes permita poder estar em contacto com os professores. Pior me
sinto quando ouço que há professores que em casa não usam o
computador. Depois
mal ou bem penso no que ao longo destes anos todos desde Abril74 se
fez de errado na educação dos jovens. Desde o se ter acabado com as
Escolas Técnicas da Industria e do Comércio porque num devaneio
libertador acreditamos que éramos todos iguais e deveriam andar
todos a estudar sob a mesma designação de ensino. Que as
designações de Liceus e Escolas eram segregações de classe do
fascismo-salazarento. Um erro o acabar com
as
Escolas Técnicas
que nenhum político quis assumir. Acabaram com as Escolas ou seja
acabaram com a formação de operários especializados para a
industria e para os serviços. Mudaram diversas vezes os nomes aos
estabelecimentos de ensino, mas isso não deixou de produzir saberes
mais teórico do que prático num facilitismo sempre crescente.
Durante anos o Estado desenvolveu um método de ensino à distancia
porque
nem todas as vilas tinham estabelecimentos de ensino oficial de
ensino secundário. Durante anos jovens de aldeias e lugares mais
isolados aprenderam através da Telescola ou seja um método de
ensino onde a televisão funcionava como fonte de explicação.
Contudo os partidos que nos têm governado ao longo de todos estes
anos e que tantas reformas já fizeram para a Educação, sem grande
êxito diga-se, acabaram
com a Telescola como forma de ensinar à distancia. Hoje face à
situação de guerra contra o vírus professores e alunos vivem uma
indefinição do que irá ser o futuro próximo. Se houvesse ainda
Telescola todos os alunos iriam continuar a ter a sua matéria para
estudar sem esta questão de uns terem acesso à professora por
computador e outros não. É que televisão em casa todos têm quase
de certeza.
Fico-me
por aqui. Amanhã será uma novo dia para ser vivido com esperanças
redobradas.
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