domingo, 22 de março de 2020

Quarto dia do resto das nossas vidas


E ao quarto dia chegamos a domingo. Um dia normalmente mais calmo mesmo nos tempos de paz. Neste tempo de guerra ao invisível vírus a rua apresentava-se ainda mais deserta do que nos dias anteriores. Há mesma hora de todos os dias, tirando um autocarro de onde desceram duas trabalhadoras do lar de idosos que existe aqui na rua, nem um carro circulava na estrada nacional número dez. O silêncio que reina começa a cansar. Seguimos sem passar a ponte para o outro lado já que vi várias pessoas vestidos a preceito a atravessá-la para irem caminhar e ou correr pelos trilhos. Pensei que chegando ao parque de estacionamento que existe entre a estação do comboio, as paragens dos autocarros e as duas escolas de ensino a podia libertar. Enganei-me. Andava por lá um velho conhecido dos trilhos que gosta de fazer corrida de manutenção para a sua forma física. Regressamos a casa no nosso passo de pastora alemã.
Observo nas redes sociais gente nova falar mal dos mais velhos como eu que andam na rua a passear os seus animais ou simplesmente vão dar o seu passeio higiénico diário. Não os entendo. Saio para a rua pela manhã quando muitos ainda dormem. Ando com umas luvas daquelas usadas nos trabalhos domésticos de limpezas. Fora de casa apenas toco na porta do prédio dos dois lados porque a tenho de abrir quando saio e quando entro. Não uso máscara porque não as tenho e nunca gostei de mascarados, não sendo obrigado não as uso. Quando abro a porta de casa tenho o frasco do álcool à entrada que vai dando para desinfectar as luvas, às vezes até as lavo com sabão antes de passar o álcool. Aqueles que tão mal falam dos velhos que andam a passear os seus animais não sabem, não imaginam o que eles pensam e sentem em relação ao medo da morte, do sofrimento, do mal fadado vírus, que veio por em causa todo o modelo de sociedade onde uma minoria vivia como nababos enquanto a grande maioria iludida-se num viver de faz de conta, muitos deles vegetando para alimentar a esperança de poderem dar e ter um outro modo de vida. Gente que da vida pouco sabem, pouco conhecem pelas facilidades que os mais velhos com suor sangue e lágrimas foram construindo ao longo da história. Gente que na sua possível maioria os mais velhos progenitores lhes facultaram felizmente um crescimento de muitas facilidades pelo que agora quanto ao respeito pelos outros só conhecem "os seus direitos". 
Os mais velhos morrem mais nesta guerra biológica porque pela idade vão-se perdendo as forças da imunidade, pelo próprio passar dos dias vão ficando mais sedentários, mais imobilizados, mais fracos para poderem resistir ao ataque traiçoeiro que o vírus lhes prega.
Eu não tenho medo do vírus, não tenho medo da morte, tenho medo é dos humanos, desses eu tenho medo um medo crescente face à geração de papagaios jornaleiros necrófagos que invadiram os órgãos de comunicação social televisiva. Desses mabecos, dessas hienas falantes vou ficando com medo e, como já não tenho a minha ex-companheira G3 para lhes dar um tiro entre as pernas, irrito-me, chamo-lhes todos os nomes feios do meu íntimo vocabulário de seguida chateado corto-lhes o pio ou levanto-me e vou para outra divisão da casa onde eles não entram. Sim, corto-lhes o pio. Eles não falam, eles e elas piam como os corvos e os grifos, guicham como as hienas quando se babam para degustar um outro animal moribundo.
Mas, voltando ao meu andar pelas ruas desertas ia eu pensando mais uma vez na educação, na vida futura das minhas netas e do meu neto. Como irá ser o futuro deles. Como estará o aprender da minha neta mais velha no sétimo ano e em casa forçada pelo vírus fdp. Não duvido que ela estará estudando e fazendo os seus exercícios. O que me preocupa mais são todos os alunos, bons, médios, sofríveis e maus, em causa sem aulas e muitos deles sem computador ou internet que lhes permita poder estar em contacto com os professores. Pior me sinto quando ouço que há professores que em casa não usam o computador. Depois mal ou bem penso no que ao longo destes anos todos desde Abril74 se fez de errado na educação dos jovens. Desde o se ter acabado com as Escolas Técnicas da Industria e do Comércio porque num devaneio libertador acreditamos que éramos todos iguais e deveriam andar todos a estudar sob a mesma designação de ensino. Que as designações de Liceus e Escolas eram segregações de classe do fascismo-salazarento. Um erro o acabar com as Escolas Técnicas que nenhum político quis assumir. Acabaram com as Escolas ou seja acabaram com a formação de operários especializados para a industria e para os serviços. Mudaram diversas vezes os nomes aos estabelecimentos de ensino, mas isso não deixou de produzir saberes mais teórico do que prático num facilitismo sempre crescente. Durante anos o Estado desenvolveu um método de ensino à distancia porque nem todas as vilas tinham estabelecimentos de ensino oficial de ensino secundário. Durante anos jovens de aldeias e lugares mais isolados aprenderam através da Telescola ou seja um método de ensino onde a televisão funcionava como fonte de explicação. Contudo os partidos que nos têm governado ao longo de todos estes anos e que tantas reformas já fizeram para a Educação, sem grande êxito diga-se, acabaram com a Telescola como forma de ensinar à distancia. Hoje face à situação de guerra contra o vírus professores e alunos vivem uma indefinição do que irá ser o futuro próximo. Se houvesse ainda Telescola todos os alunos iriam continuar a ter a sua matéria para estudar sem esta questão de uns terem acesso à professora por computador e outros não. É que televisão em casa todos têm quase de certeza.
Fico-me por aqui. Amanhã será uma novo dia para ser vivido com esperanças redobradas.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.