terça-feira, 24 de março de 2020

Sexto dia do resto das nossas vidas


E vamos no sexto dia desta emergência. Ontem à noite ouvi com a atenção merecida a entrevista ao PM na TVI. Dos entrevistadores, eram dois, melhor o MST do que o pivot JAC da estação televisiva que com o passar do tempo vai perdendo qualidade. Goste-se ou não se goste politicamente do PM foi mais uma demonstração da sua parte de que quem comanda a situação é ele, ouvindo os pareceres técnicos e decidindo em conformidade, nem sempre como gostaria a sua opinião de político. Fiquei depois a ouvir os comentários. Não consegui aguentar todos. Ainda ouvi o Paulinho das feiras e lavoura, agora com tiques de especialista da indústria e representante dos grandes empresários, lançar o seu veneno corrosivo com ar de especialista democrático, repetindo aquilo que dizem os da sua área ideológica, criticando o tempo em que as medidas foram e estão a ser tomadas. É sempre mais fácil criticar a acção do comandante que cai na emboscada montada por um inimigo invisível sofrendo nela muitas baixas do que comandar na prática as acções para evitar o contacto com inimigo, sendo o actual invisível à vista desarmada. Critica-se as acções do governo advogando o que já se passava em outros cenários, outros países. Lembrei-me que «Se cá nevasse fazia-se cá sky», mas como nem a chuva cai, só fala assim quem aquando ao comando da nação se curvou perante forças estrangeiras e baixando as calças aprovou medidas anti-populares e antipatrioticas de lesa Pátria. Ele, o Paulinho agora grande lobista de empresários e indústria, acabou, levantei-me do sofá e fui continuar a ler "Se Isto É Um Homem" de Primo Levi.
Pela janela vejo que o dia renasceu. O silêncio continua a dominar a rua. Nas janelas dos prédios em frente nem uma luz se vê devem estar ainda descansando das agruras que é estar fechados em casa.
Voltando à entrevista, achei por bem que o PM não tivesse respondido à insinuação de uma reportagem onde se dava conta da falta de material ou da má qualidade do mesmo dado para uso a alguns técnicos da saúde. Se em vez dessa possível verdade o pivot AJC tivesse questionado o PM porque é que por cá nenhum membro do Governo fez ou faz o que um governante francês fez nas televisões pedindo aos seus cidadãos para que quem tenha em casa máscaras as possa ceder aos técnicos de saúde que estão na frente de combate a procurar salvar vidas e precisam delas para poderem continuar a lutar por todos nós. Isso sim seria um bom tema para colocar ao PM em vez das tristes e necrófogas notícias com que martelam os mais ouvintes. Ninguém, nenhum país estava preparado para fazer frente a esta guerra que chegou e nos invadiu em moldes totalmente novos.
Ontem esperava ouvir do PM a notícia de que os militares das Forças Armadas especialistas no combate à guerra biológica já estavam a trabalhar com a DGS, mas apenas ficou no ar a alusão à reactivação do Hospital Militar da Ajuda onde antigamente havia gente especialista e capaz no combate às doenças infecto contagiosas, mas que políticas dos governos do "centrão" desativaram em má hora. Desse tempo, dessas acções e medidas não falou o Paulinho lobista de empresários e da indústria.
São quase sete e está na hora da minha volta matinal.
Volta mais curta como têm sido as de agora. As ruas apresentam-se quase desertas, alguns poucos trabalhadores caminham nelas, quase todos de cabeça baixa. Os autocarros que chegavam ao terminal cheios de alunos e trabalhadores que corriam de imediato para a estação dos comboios suburbanos chegam vazias uns, outras com meia dúzia de passageiros. Gente que ainda trabalha nos seus empregos. O comboio suburbano que chega vindo do Oriente sempre deixava umas centenas de pessoas. Agora pouco mais do que uma dúzia de trabalhadores. Contudo pelas estradas da urbe mais carros circulavam em direcção aos seus presumíveis locais de trabalho. Não é nada fácil a tarefa de combater a infeção contagiosa do covid-19 e ao mesmo tempo procurar que a economia do país não pare totalmente.
Quando viajo habituei-me a fazer o restore de algumas partes da minha vida. Não viajando neste tempo de emergência mas caminhando na manhã serena deste sexto dia lembrei-me do que foi a loucura aquando da gripe das aves. Um outro governo de um PM, hoje mal amada por muitos, uma outra Ministra e um outro Director Geral de Saúde talvez levados pelo medo dos órgãos de comunicação social e pelo facilitismo com que procuraram gerir essa crise por forma a que a sua imagem não saísse desfocada, apressados no tempo gastaram milhões em vacinas que depois não se utilizaram nem se puderam devolver. Às vezes a minha cabeça ainda têm os neurónios da memória oleados e conservados. 
A um comandante pede-se sensatez nas suas decisões e todos sabemos que os actuais governantes são gente de contas certas nem que tenham de fazer cativações nem sempre populares.
Em tempo de guerra não se limpam armas mas, também não há que gastar munições a dar tiros nos pés.

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