O
tempo entre a Vida e a Morte é uma dança que para uns é longa e
para outros demasiado curta.
Nasci
lá longe corria ainda o ano de cinquenta do século passado quando
numa manhã ao renascer do dia, cerca do Natal, dei o meu primeiro
grito chorando para satisfação da parteira que assistiu ao parto e
felicidade entre as dores de minha mãe.
Tinha
eu cinco anos quando adoeci a tal ponto de me prepararem a mortalha.
Salvei-me porque um tal Dr. Rui de Moscavide em desespero de causa me
prescreveu a milagrosa, na altura, penicilina.
Entre
asneiras e tropelias fui crescendo já nas terras diferentes da
península de Peniche onde o mar era rei e a terra desempenhava o
lugar de rainha.
Voltei
para a minha cidade, para a rua que me viu nascer, a fim de poder
continuar a crescer com os estudos. Amei e fiz sofrer.
Tinha
eu ainda 10 anos quando as possessões de Goa, Damão e Diu foram
ocupadas pelo exército indiano de Neru, já o velho tirano do
"botas" ordenava aos seus súbditos «Para Angola e em
Força». O país mobilizou-se, era preciso salvar a coroa do império
que só os esbirros do sistema enxergavam. Mobilizado o país, mães
mais que os pais, esposas e namoradas choravam os seus filhos,
esposos, pais e namorados que aprumados nas fardas militares partiam
para o desconhecido ultramar. Cresci a ouvir o velho “botas”
depois o velho “professor” mais estes que a figura sinistra de um
presidente "gaga", em discursos inflamados de um
patriotismo fascista-salazarento que a maldita guerra que a ditosa
pátria portuguesa travava nas diferentes frentes africanas na
salvaguarda dos bons costumes e públicas virtudes do sistema estava
ganha. Sim tinha onze anos quando comecei a ouvir que, a guerra
estava ganha. Mas as mães mais que os pais, as esposas e namoradas
sem esquecer as irmãs mais que os irmãos, continuavam a chorar a
partida dos jovens militares à força para uma guerra ganha nas
desconhecidas terras ultramarinas em África. Quis a minha história
desta dança entre a vida e a morte que ao fazer a bonita idade de 22
anos no dia 22 tivesse chegado a uma frente de combate no então
designado Leste de Angola. Longe de tudo numa terra estranha tinha
como companhia o medo e os outros camaradas militares à força como
eu. Medo de sofrer mais do que morrer embora achasse uma injustiça
tremenda morrer tão jovem. Mas, o medo maior era o de ver algum dos
meus homens morrer naquela guerra que estava ganha mas que
continuava, sem solução militar à vista. Se algum morresse como
iria eu reagir? , era o medo que mais me acompanhava silencioso e
surdo quer de dia quer de noite, quer no arame farpado ou no mato. Um
medo até de ter medo.
Nesse
tempo que me roubaram à minha dança de vida, olhei a morte, escura
como breu com uns olhos piores que os de lince. Olhamos-nos eu e ela
silenciosos, o dedo no gatilho da minha companheira G3 de pouco me
serviria se ela saltasse para cima de mim. Foram segundos que
demoraram uma eternidade. O gelo na coluna logo se transformou em
suores quentes ferventes, quando silenciosa, traiçoeira se afastou,
deixando-me as pernas trementes sem poder dar parte de fraco aos que
em mim confiavam.
Não
mais a vi ou a olhei até hoje, mas sei, pressinto que ela me anda a
rondar nesta minha dança de vida. Eu fugindo dela. Ela sempre
traiçoeira me perseguindo. Já me montou uma emboscada silenciosa
dentro do meu próprio organismo e, não fosse este meu viver alerta
talvez já não pudesse, não conseguisse escrever estas palavras.
Vivo
Alerta sem medo dela. Um dia ela irá ganhar a corrida. Quando chegar
essa hora espero que tenha compaixão de mim e me de um golpe curto e
certeiro de modo a que a água possa secar no meu corpo sem dor ou
sofrimento.
Medo
tenho, de sofrer ou de fazer outros sofrerem por minha causa. Por
isso neste tempo de luta desigual contra o fdp do vírus invisível
aos nossos sentidos, que por respeito e solidariedade para com os
outros seres humanos de todas as cores, de todas as raças, de todos
os credos religiosos e até de todos os pensamentos de política
ideológica, temos o tempo que o tempo nos dá para pararmos e
podermos pensar, meditar, lembrar todos os passos de dança dados,
vividos, sonhados e imaginados. Entre tudo isso no tempo que o tempo
me tem facultado, com as minhas dúvidas ou reservas, gostava que a
lei da não proibição da eutanásia fosse promulgada por forma a
ter essa nova arma comigo, podendo evitar o riso negro de gozo como
breu da morte. Ser eu o maestro da sinfonia final da minha dança
entre a vida e a morte se o sofrimento não tiver outra alternativa,
outra solução.
Espero
que neste novo tipo de guerra globalizada contra um inimigo invisível
em forma de vírus fdp que estamos a atravessar possamos ter a
consciência, o discernimento de que a mesma vai ser longa e dura,
alterando a nossa maneira de vivermos a dança entre a vida e a
morte. Esta guerra é mais biológica que militar ou química
exigindo que os especialistas que os há, ou havia, sejam chamados
pelos políticos governantes a ocuparem os seus lugares na frente de
combate para que junto com os saldados que somos todos nós, velhos,
velhotes, grisalhos, quarentões e mais novos, a possamos não só
vencer sem grandes baixas por agora como também garantir condições
a todos do técnicos de saúde que lutam para nos salvarem desta
guerra que ela vai ser longa e dura a fazer prever outras desgraças.
Por
onde andarão os militares e outro pessoal especialista em doenças
infecto-contagiosas que trabalhavam no Hospital Militar da Ajuda e
sabiam como combater na guerra biológica? O Hospital Militar foi desactivado por políticos obedientes a forças estrangeiras e com
pouco sentido de Estado… por onde andarão esses especialistas em
guerras biológicas?
Não
demos tanta atenção aos especialistas especializados em tudo que
ocupam os canais televisivos. Há tanta outra coisa para se fazer
neste tempo de recolha caseira. Pensemos em nós, nos outros
conhecidos e desconhecidos, temos outros meios de comunicar, falemos
com os amigos e familiares sem medos pois todos merecemos viver este
milagre que é esta dança entre a vida e a morte.
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