segunda-feira, 16 de março de 2020

A dança da vida


O tempo entre a Vida e a Morte é uma dança que para uns é longa e para outros demasiado curta.

Nasci lá longe corria ainda o ano de cinquenta do século passado quando numa manhã ao renascer do dia, cerca do Natal, dei o meu primeiro grito chorando para satisfação da parteira que assistiu ao parto e felicidade entre as dores de minha mãe.
Tinha eu cinco anos quando adoeci a tal ponto de me prepararem a mortalha. Salvei-me porque um tal Dr. Rui de Moscavide em desespero de causa me prescreveu a milagrosa, na altura, penicilina.
Entre asneiras e tropelias fui crescendo já nas terras diferentes da península de Peniche onde o mar era rei e a terra desempenhava o lugar de rainha.
Voltei para a minha cidade, para a rua que me viu nascer, a fim de poder continuar a crescer com os estudos. Amei e fiz sofrer.

Tinha eu ainda 10 anos quando as possessões de Goa, Damão e Diu foram ocupadas pelo exército indiano de Neru, já o velho tirano do "botas" ordenava aos seus súbditos «Para Angola e em Força». O país mobilizou-se, era preciso salvar a coroa do império que só os esbirros do sistema enxergavam. Mobilizado o país, mães mais que os pais, esposas e namoradas choravam os seus filhos, esposos, pais e namorados que aprumados nas fardas militares partiam para o desconhecido ultramar. Cresci a ouvir o velho “botas” depois o velho “professor” mais estes que a figura sinistra de um presidente "gaga", em discursos inflamados de um patriotismo fascista-salazarento que a maldita guerra que a ditosa pátria portuguesa travava nas diferentes frentes africanas na salvaguarda dos bons costumes e públicas virtudes do sistema estava ganha. Sim tinha onze anos quando comecei a ouvir que, a guerra estava ganha. Mas as mães mais que os pais, as esposas e namoradas sem esquecer as irmãs mais que os irmãos, continuavam a chorar a partida dos jovens militares à força para uma guerra ganha nas desconhecidas terras ultramarinas em África. Quis a minha história desta dança entre a vida e a morte que ao fazer a bonita idade de 22 anos no dia 22 tivesse chegado a uma frente de combate no então designado Leste de Angola. Longe de tudo numa terra estranha tinha como companhia o medo e os outros camaradas militares à força como eu. Medo de sofrer mais do que morrer embora achasse uma injustiça tremenda morrer tão jovem. Mas, o medo maior era o de ver algum dos meus homens morrer naquela guerra que estava ganha mas que continuava, sem solução militar à vista. Se algum morresse como iria eu reagir? , era o medo que mais me acompanhava silencioso e surdo quer de dia quer de noite, quer no arame farpado ou no mato. Um medo até de ter medo.
Nesse tempo que me roubaram à minha dança de vida, olhei a morte, escura como breu com uns olhos piores que os de lince. Olhamos-nos eu e ela silenciosos, o dedo no gatilho da minha companheira G3 de pouco me serviria se ela saltasse para cima de mim. Foram segundos que demoraram uma eternidade. O gelo na coluna logo se transformou em suores quentes ferventes, quando silenciosa, traiçoeira se afastou, deixando-me as pernas trementes sem poder dar parte de fraco aos que em mim confiavam.
Não mais a vi ou a olhei até hoje, mas sei, pressinto que ela me anda a rondar nesta minha dança de vida. Eu fugindo dela. Ela sempre traiçoeira me perseguindo. Já me montou uma emboscada silenciosa dentro do meu próprio organismo e, não fosse este meu viver alerta talvez já não pudesse, não conseguisse escrever estas palavras.
Vivo Alerta sem medo dela. Um dia ela irá ganhar a corrida. Quando chegar essa hora espero que tenha compaixão de mim e me de um golpe curto e certeiro de modo a que a água possa secar no meu corpo sem dor ou sofrimento.
Medo tenho, de sofrer ou de fazer outros sofrerem por minha causa. Por isso neste tempo de luta desigual contra o fdp do vírus invisível aos nossos sentidos, que por respeito e solidariedade para com os outros seres humanos de todas as cores, de todas as raças, de todos os credos religiosos e até de todos os pensamentos de política ideológica, temos o tempo que o tempo nos dá para pararmos e podermos pensar, meditar, lembrar todos os passos de dança dados, vividos, sonhados e imaginados. Entre tudo isso no tempo que o tempo me tem facultado, com as minhas dúvidas ou reservas, gostava que a lei da não proibição da eutanásia fosse promulgada por forma a ter essa nova arma comigo, podendo evitar o riso negro de gozo como breu da morte. Ser eu o maestro da sinfonia final da minha dança entre a vida e a morte se o sofrimento não tiver outra alternativa, outra solução.

Espero que neste novo tipo de guerra globalizada contra um inimigo invisível em forma de vírus fdp que estamos a atravessar possamos ter a consciência, o discernimento de que a mesma vai ser longa e dura, alterando a nossa maneira de vivermos a dança entre a vida e a morte. Esta guerra é mais biológica que militar ou química exigindo que os especialistas que os há, ou havia, sejam chamados pelos políticos governantes a ocuparem os seus lugares na frente de combate para que junto com os saldados que somos todos nós, velhos, velhotes, grisalhos, quarentões e mais novos, a possamos não só vencer sem grandes baixas por agora como também garantir condições a todos do técnicos de saúde que lutam para nos salvarem desta guerra que ela vai ser longa e dura a fazer prever outras desgraças.

Por onde andarão os militares e outro pessoal especialista em doenças infecto-contagiosas que trabalhavam no Hospital Militar da Ajuda e sabiam como combater na guerra biológica? O Hospital Militar foi desactivado por políticos obedientes a forças estrangeiras e com pouco sentido de Estado… por onde andarão esses especialistas em guerras biológicas?

Não demos tanta atenção aos especialistas especializados em tudo que ocupam os canais televisivos. Há tanta outra coisa para se fazer neste tempo de recolha caseira. Pensemos em nós, nos outros conhecidos e desconhecidos, temos outros meios de comunicar, falemos com os amigos e familiares sem medos pois todos merecemos viver este milagre que é esta dança entre a vida e a morte.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.