sexta-feira, 20 de março de 2020

Primeiro dia do resto das nossas vidas


Ontem decretaram o estado de emergência e deixaram para hoje a definição de quais os direitos e garantias que vamos poder usufruir. Assim:
1. À hora do costume o meu organismo deu o sinal habitual. Acordei. Levantado olhei no telemóvel as primeiras páginas dos jornais. Talvez o DN esteja certo pensei. A minha amiga ao ver-me logo se pôs em posição para lhe fazer as festas habituais na barriga. Lavei-me e vesti-me. Fui ao frigorífico buscar a comida do gato Lorde e saímos procurando habituar-me a abrir a porta do elevador e da rua com a mão esquerda. Não está fácil mas… Na rua o gato Lorde esperava pelo seu pequeno almoço para depois ir à sua vida de gato de rua. Nós seguimos pelo caminho habitual das manhãs. A estrada nacional e as ruas da urbe ainda mais desertas de movimento que nos dias anteriores. O povo é sereno como um dia disse um tal almirante. Junto ao nó rodoviário de comboios e autocarros alguns trabalhadores de cabeça baixa seguiam para o trabalho. Emigrantes na sua maioria.
2. Depois do pequeno almoço em casa ouvi de novo as tristes palavras de um presidente que mostrou aquilo que na verdade sempre foi. Menino bonito e inteligente muito admirado nos corredores do poder pelas tias do Movimento Nacional Feminino e outras; todas tias de missa dominical e mão no peito por todos os pecados que os inimigos do velho “botas” e do seu santificado regime, queriam impor ao país, uns verdadeiros desordeiros, malfeitores que queriam destruir a santa trilogia de «Deus, Pátria e Família». E, assim o menino inteligente e tão belo para as santas tias do regime não teve necessidade de cumprir o serviço militar, que isso era coisa para os filhos dos pobres e remediados. A ele estavam predestinados outros voos muito mais nobres do que ter de andar a rastejar na lama, a sujar-se, a cheirar mal, a comer os enlatados das famosas rações de combate… a possivelmente ter de ouvir o barulho das espingardas, que elas só gostavam de filmes românticos nem viam esses filmes de guerra com aquelas cenas horríveis dos tiros. Por tudo isso e mais o resto, ontem pareceu nos ecrãs televisivos depois de se ter ausentado do seu posto de comando sem um ai nem um ui. Apareceu parecendo querer ressuscitar as «conversas em família» de um seu amigo de família embora bastante mais velho. Conversas coloridas a preto e branco de um cinzento mais escuro que o escuro sem futuro. Falou, falou mas aos costumes disse pouco mais que nada.
3. Cabe-me aqui recordar que no que diz respeito a eleições presidenciais. Não fui votar numa delas, em outra votei útil e nas restantes só estive com o vencedor em duas para eleger Jorge Sampaio, em todas as outras restantes eleições estive sempre com os perdedores; nas que elegeram o senhor de agora estive com o candidato Henrique Neto que ficou em último ou penúltimo. Porque entre um político e um empresário sempre escolherei para presidente o lado que mais contribuiu para a criação de valor acrescentado da riqueza do meu país. Sou por tudo e mais alguma coisa, um desalinhado consciente e sem possibilidade de reconversão, que prefere um Estado forte e exemplar na prestação dos serviços públicos à sua população. Não falo em povo porque não gosto dessa palavra. Depois de o ouvir de novo senhor presidente, voltei a ficar irritado, consigo e com o rebanho ou a manda de políticos que lhe fazem a corte para usufruírem de mais umas mordomias.
4. Estava programado ir ao supermercado comprarmos umas bananas e se por lá houvesse luvas descartáveis comprávamos algumas. Chegámos ao supermercado ALDI por volta das nove e quinze. Só deixavam entrar pessoas que fossem técnicos de saúde, das forças de segurança ou bombeiros. Achei uma medida acertada. Para o publico em geral só às dez da manhã. Como era cedo decidimos ir ao outro lado da urbe ver como estava o Pingo Doce. Passámos pelo LIDL, pelo Continente e pelo Jumbo e quer num quer noutro vimos pessoas aguardando na rua. Chegados ao Pingo Doce o mesmo cenário, a bicha ordenada prolongava-se pelo passeio pois a loja só abre às dez. Enquanto aguardava na bicha que chegasse a vez de entrarmos fui escrevendo o que acima ficou dito. As pessoas iam chegando e a bicha alongando-se. Tudo ordeiramente sem atropelos ou “xicos espertos”. Três carro de patrulha da polícia passaram por lá devagar. Ninguém comentou nada. Eles olhavam para nós e nós olhávamos para eles. Tudo calmo que o povo é sereno e ordeiro. Fiquei na dúvida se a passagem das patrulhas era por nossa causa ou se por causa da loja do AKI estar aberta, pois não sei se a mesma se enquadra no conceito de imprescindível, embora para quem trabalha na construção civil o possa ser. Feitas as compras voltámos. Nas bombas do Jumbo lá estavam os carros a abastecer, passámos devagar e observei que a quase totalidade eram pessoas com idade de não trabalharem. Abasteciam talvez com medo que o combustível lhes falte por não poderem utilizar a viatura que nestes dias de emergência decretada a circulação fica condicionada, mas para quem vive obcecado pelo medo tudo faz sem lógica.
5. Continuo à espera de saber quais são os limites que irão vigorar neste triste estado de emergência que o senhor presidente teve necessidade de declarar para agradar a alguns dos seus correligionários. As coisas estavam a andar serenamente a pouco e pouco todos os dias menos gente na rua encontrava quando dou a volta com a minha amiga pastora alemã que ainda não entendeu o porque de não fazermos as nossas caminhadas de quilómetros para ela poder correr e dar largas à sua enorme energia. Não observei nunca pessoas juntas umas com as outras. Talvez o que mais estranhava era ver cafés e pastelarias abertas, mas por outro lado compreendo que mesmo com poucas pessoas a irem apanhar o comboio sempre poderiam fazer algum negócio para fazer frente aos elevados custos da energia que têm de suportar, para não falar no custo e encargos com o pessoal se o negócio não for familiar. Por mais que queira entender a razão desta declaração de estado de emergência há sempre curto-circuito nos meus neurónios que não me deixam ver o porque.
6. Como afirmei lá atrás sou defensor de um Estado forte mas democrático que para mim bastaram os vinte e três anos e uns meses que vivi sob uma ditadura asfixiante e perversa criada pelo velho “botas” sendo depois mantida pelo velho “professor”. Para termos um Estado forte e democrático temos de ter a economia a funcionar de modo a que se crie riqueza para com ela alimentarmos as funções sociais do Estado Social que defendo e que o senhor presidente sabe tão bem quanto eu, que o actual Estado Social é devido ao abençoado golpe militar anticonstitucional do 25 de Abril de 1974. Um golpe de mão certeiro que logo teve o apoio da população deste país farta de viver na pobreza material e das ideias . Ambos sabemos senhor presidente que há quem não concorde com o que acabo de escrever, e muito menos com as liberdades e direitos democráticos existentes sufragados por uma Constituição que na data da sua aprovação era das mais modernas do dito mundo ocidental onde mos inserimos.
7. Vivemos os últimos tempos ameaçados por um ainda não conhecido cientificamente vírus denominado Covid-19. Um vírus diferente de todos os outros que ao longo dos anos fomos enfrentando. E ele é diferente porque está a afectar a economia de todos os países do Planeta como nenhum outro o fez, nem a crise financeira de 2008 provocou tanto mal às pessoas e à economia dos países. Nessa tal crise de 2008 as instituições financeiras que pautavam a sua actividade numa especulação vigarista, não ocasionaram que o mundo das empresas na sua globalidade parasse a sua actividade, como este pequeno vírus está a causar. Não é difícil afirmar, nem é preciso ser bruxo para dizermos que o futuro que sempre foi incerto o é hoje mais incerto que nunca, ou que nada voltará a ser como dantes nas nossas relações humanas e empresariais. O Senhor Presidente depois de se ausentar do seu posto de comando voltou indeciso dando uma imagem do porque da sua ausência desse mesmo posto. Entre a declaração do estado de emergência pedidas por políticos e comentadores mais à direita politicamente horas a fio nos canais televisivos costumeiros e a posição do líder do Governo que parecia ter duvidas se era esse o melhor caminho para fazer frente a pandemia causada pelo vírus, o Senhor Presidente homem inteligente resolveu a crise decretando esse tal estado de emergência mas cedendo ao Governo a definição dos limites desse mesmo estado de emergência, numa carta branca que aguardamos conhecer.
8. A saúde é o maior bem que cada um de nós tem individualmente. Não se discute este tema. O nosso SNS que tão bons serviços tem prestado aos cidadãos deste país, tem por medidas de política económica neoliberal sofrido muitos golpes traiçoeiros por forma a ter de sobreviver continuamente sub orçamentado. Este viver continuamente sub financiado por via orçamental obedece a pensamentos políticos que preferem o exercício da medicina privada alimentada por seguros ao serviço universal. O codiv-19 veio mostrar à evidência os benefícios e as vantagens de termos o SNS a funcionar mesmo com muitos dos problemas que são de todos conhecidos.

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