terça-feira, 24 de abril de 2018

25 de Abril

Naquela madrugada a vida mudou em Portugal, nada voltou a ser como dantes. Alguns saudosistas dos tempos negros e pobres de então, animados pelas derivas populistas de direita que vão ganhando terreno eleição após eleição, quer na União Europeia, quer fora e ao redor dela, animados pelos blocos americanos e russos nas mãos de perigosos nacionalistas, começam a por em causa a madrugada libertadora de um povo, afirmando quer em livros, quer na comunicação social que a guerra em África estava ganha. Pura mentira, já que naquela guerra não havia lugar para vencedores, só para perdedores.
Pode-se discutir se a descolonização poderia ter sido de outra forma, pode-se mas na pratica foi como foi e de nada adianta hoje discutir o assunto. Os tais saudosistas ao procurem discutir o tema, fazem-no para atacar principalmente os militares que arriscando tudo nas suas carreiras e na sua vida, pois o regime de então não era nada humanista para com os opositores, decidiram por um ponto de ordem à Republica, terminando com o período negro de quarenta e oito anos de obscurantismo, de analfabetismo, de medos, de prisões com torturas macabras, um tempo onde poucos eram os cidadãos que tinham acesso à saúde quase gratuita, à educação para lá da primária, e à pensão de reforma, um tempo onde o Banco de Portugal tinha os cofres cheios de ouro para financiar a tal guerra mantendo o país longe da Liberdade e do Desenvolvimento Social, fazendo de mão dada com a igreja de então, a apologia de que a pobreza honrada era o caminho para o paraíso.
Estava em África, lá nas matas do Mumbué, quase nas terras do fim do mundo. Estávamos preparados para a inauguração de um novo quartel com casas, para os dois grupos de GE´s que a Companhia enquadrava. Havia notícias soltas de que algo se tinha passado no “Puto”, umas mais animadoras que indiciavam a vitória dos revoltosos, mas nós queríamos saber quem eram os tais “revoltosos”, que futuro nos esperava, outras mais pessimistas na boca do comerciante Pato que nos dizia serem os revoltosos comandados pelo General Kaúlza, e se assim fosse o futuro no mato seria mais longo do que nunca. Como as altas patentes militares programadas para a inauguração não chegaram e já estávamos a 26 de Abril, andavam muitas dúvidas e esperanças no ar.
Também na guerra as alterações foram profundas, vivendo-se a ansiedade de qual o futuro no caso de Angola, que posições iriam tomar as novas autoridades e ao mesmo tempo as estruturas mandantes dos movimentos inimigos. As operações militares continuaram, o mais difícil era manter a disciplina, o espírito de corpo nos grupos de combate. E agarrado ao rádio Crown em ondas curtas ouvia as notícias do meu país. Chorei ao ouvir na rádio a manifestação do 1º de Maio de 1974 e a 19 de Maio já estava em Luanda para vir passar o segundo período de férias a Portugal. Nesse dia na rotunda Serpa Pinto, salvo erro que ficava perto do Hotel Ka te Kero, decidi que se um dia tivesse uma filha ela se iria chamar Catarina, e assim foi.
Hoje o dia de amanhã é saudade, é nostalgia de um tempo onde tudo estava logo ali, um tempo maravilhoso de Esperança num Futuro risonho para todos os portugueses, mas a história não é feita de sonhos e hoje vivendo em Democracia, com Liberdade de Expressão, olhamos e vemos parte das mesmas famílias de então a manobrarem os cordelinhos com que regem as nossas vidas. Mas, mesmo assim valeu a pena tudo o que foi vivido, e hoje o País esta muito mas muito melhor do que então, não nos iludamos nem nos deixemos enganar pelos comentadores oficiosos ao serviço do “lucro ganancioso e sujo” ou de “nacionalismos aventureiristas”.
Foram os nossos antepassados que no século XV iniciaram as viagens que criaram as primeiras fundações da globalização do Planeta, para no século XX os nossos militares mostrarem ao Mundo que eles, militares de carreira, derrubaram uma ditadura para instalar a Democracia no país, dando logo a seguir de mão beijada o poder à sociedade civil.

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