sábado, 16 de maio de 2020

Décimo quarto dia deste tempo novo


Chegamos a mais um sábado. Estamos a fazer sessenta dias deste tempo de emergência que virou calamidade. Um tempo em que a vida quase parou pelo medo, pelo desconhecimento dos malefícios que um vírus novo trouxe às sociedades. Um tempo em que a força da palavra calamidade é menos gravosa socialmente comparada com a de emergência. Com ela entrámos num tempo novo de vida.
Tenho 69 anos de idade e de viagem. Já vivi mais de metade do meu caminho. Pelos números sou velho para a sociedade. Cidadão de risco face ao que dizem os que dizem saber destas coisas de um vírus desconhecido. Não me importo nem me ralo. A asma há uns dez anos que não me ataca. O câncer parece estar controlado, retirado que foi pela raiz. Vivo olhando o que me rodeia com um outro modo de olhar e sentir sem medo quer da vida quer da morte. Contudo não gosto da dor e do sofrimento. Sem medo mas com respeito pela saúde dos outros, vejo a vida à minha maneira.
Ser velho é uma virtude nunca um mal. Foram sempre os mais velhos que desbravaram a vida na busca de melhores condições. Tudo o que os mais novos podem usufruir foi sempre conquistado pelos mais velhos, num processo de criação e desenvolvimento nem sempre pacífico.
Em Chaves ainda de tenra idade (21 anitos), quando me aconselharam a colocar os ideais numa caixinha com algodão recusei, não os aprisionei, foram e voltaram comigo com raízes mais fortes.
Aquando do 25 invernoso de 1975 não cumpri a emergência do recolher obrigatório; a liberdade de ver, de olhar, conhecer quem estava de um lado e do outro, foi mais forte para pela calada da noite relembrar as noites de 1969.
Os ideais nunca me atrapalharam de cumprir os objectivos como responsável nas empresas privadas onde sempre trabalhei.
Ao ouvir discursos de dirigentes sindicais, sorrio porque vejo neles o porquê da fraqueza que o movimento sindical tem na nossa sociedade. Procuro na memória o tempo em que poderei ter trabalhado menos de 40 horas semanais e não encontro dados desse registo. Muito mais horas sim, mas a minha cabeça já não é o que era.
Na emergência deste tempo não houve um dia em que não saísse à rua duas vezes por dia para o passeio higiénico salutar sem medo.
Neste tempo novo de calamidade assim que pude fiz-me ao caminho ouvindo o fado "Por morrer uma andorinha não acaba a Primavera".
Sem medo mas com respeito pela saúde dos outros, vejo a vida à minha maneira.
No campo falo comigo, com o vento e as copas das árvores. Junto ao mar na minha terra adoptiva ouço o vento já que os deuses têm andado ausentes.
De volta à cidade grande falo com os livros que gosto de ler e reler, principalmente de autores não badalados nos órgãos de comunicação que nos querem parametrizar os processos de pensamento.
O meu caminho é a outra margem da vida onde vou remando contra a maré com a consciência de que não devo nadar contra a corrente.

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