Chegamos
a mais um sábado. Estamos a fazer sessenta dias deste tempo de
emergência que virou calamidade. Um tempo em que a vida quase parou
pelo medo, pelo desconhecimento dos malefícios que um vírus novo
trouxe às sociedades. Um tempo em que a força da palavra calamidade
é menos gravosa socialmente comparada com a de emergência. Com ela
entrámos num tempo novo de vida.
Tenho
69 anos de idade e de viagem. Já vivi mais de metade do meu caminho.
Pelos números sou velho para a sociedade. Cidadão de risco face ao
que dizem os que dizem saber destas coisas de um vírus desconhecido.
Não me importo nem me ralo. A asma há uns dez anos que não me
ataca. O câncer parece estar controlado, retirado que foi pela raiz.
Vivo olhando o que me rodeia com um outro modo de olhar e sentir sem
medo quer da vida quer da morte. Contudo não gosto da dor e do
sofrimento. Sem medo mas com respeito pela saúde dos outros, vejo a
vida à minha maneira.
Ser
velho é uma virtude nunca um mal. Foram sempre os mais velhos que
desbravaram a vida na busca de melhores condições. Tudo o que os
mais novos podem usufruir foi sempre conquistado pelos mais velhos,
num processo de criação e desenvolvimento nem sempre pacífico.
Em
Chaves ainda de tenra idade (21 anitos), quando me aconselharam a
colocar os ideais numa caixinha com algodão recusei, não os
aprisionei, foram e voltaram comigo com raízes mais fortes.
Aquando
do 25 invernoso de 1975 não cumpri a emergência do recolher
obrigatório; a liberdade de ver, de olhar, conhecer quem estava de
um lado e do outro, foi mais forte para pela calada da noite
relembrar as noites de 1969.
Os
ideais nunca me atrapalharam de cumprir os objectivos como
responsável nas empresas privadas onde sempre trabalhei.
Ao
ouvir discursos de dirigentes sindicais, sorrio porque vejo neles o
porquê da fraqueza que o movimento sindical tem na nossa sociedade.
Procuro na memória o tempo em que poderei ter trabalhado menos de 40
horas semanais e não encontro dados desse registo. Muito mais horas
sim, mas a minha cabeça já não é o que era.
Na
emergência deste tempo não houve um dia em que não saísse à rua
duas vezes por dia para o passeio higiénico salutar sem medo.
Neste
tempo novo de calamidade assim que pude fiz-me ao caminho ouvindo o
fado "Por morrer uma andorinha não acaba a Primavera".
Sem
medo mas com respeito pela saúde dos outros, vejo a vida à minha
maneira.
No
campo falo comigo, com o vento e as copas das árvores. Junto ao mar
na minha terra adoptiva ouço o vento já que os deuses têm andado
ausentes.
De
volta à cidade grande falo com os livros que gosto de ler e reler,
principalmente de autores não badalados nos órgãos de comunicação
que nos querem parametrizar os processos de pensamento.
O
meu caminho é a outra margem da vida onde vou remando contra a maré
com a consciência de que não devo nadar contra a corrente.
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