quarta-feira, 9 de março de 2022

22.02.28

 

Bexiga de porco. Se hoje com o desenvolvimento económico e social existente, esta região do interior da Beira Baixa continua esquecida aos poderes governativos, no século passado sendo muito mais povoada, do que nos tempos de agora, muito mais esquecida e abandonada se encontrava. As populações na sua maioria viviam e resistiam trabalhando as terras por conta de outrem ou por conta própria. Contava o meu pai que para levar o trigo ao grémio em Castelo Branco, saía de Segura durante a tarde com a melhor parelha de machos para estar de manhã às portas do grémio. Então, as famílias tinham nos animais domésticos a ajuda para a sua sobrevivência. Em muitas casas até as "pitas" (galinhas) dormiam em casa por baixo das escadas. O porco era o animal doméstico que garantia maior subsistência, porque permitia ter comida pelo ano adentro. O próprio presunto só se começava a comer por altura do S. João. Daí que tudo se aproveitava do animal, até a própria bexiga que depois de bem lavada se enchia com os bocadinhos das partes menos nobres do animal (rabo, orelha, beiço, língua, ossinhos mais tenrinhos, algumas gorduras e alguma carne) tudo temperado como os chouriços à base alho (sem grelo), bom colorau, sal e água. Era depois colocada no fumeiro para se comer no domingo gordo.

As matanças não representavam uma festa de abastança porque tudo era aproveitado para garantir a subsistência ao longo do ano. Muito se admiraram os meus pais quando convidados assistiram à primeira matança em Ferrel (Peniche) e viram não só a bexiga do animal servir para bola de futebol mas a fartura de carne que se comia nesse dia. Toda aquela fartura era uma festa na qual participavam com alegria não deixando de ter o pequeno sentimento que alguma daquela carne serviria para fazer mais uns chouriços. Antes das matanças tradicionais serem proibidas fui um dia convidado a jantar em casa duns primos que tinham morto o porco. As couves e as batatas estavam boas mas eram muito mais os ossos que a carne agarrada aos mesmos. Cada região com a sua história, seus hábitos e costumes gastronómicos. Para mim, uma boa bexiga de porco é manjar de deuses.

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