terça-feira, 22 de março de 2022

22.03.19

Lê mais do que escreve. Lê para aprender. Lê porque gosta de ler. Nas entrelinhas do que lê sempre encontra motivos que o levam a pensar como tudo na sua vida poderia ter sido diferente. Vira a página. Acaba o capítulo. Termina o livro. Começa outro de novo. Mas não esquece. Entre páginas e capítulos há sempre um parágrafo, uma frase que o leva para longe, neste seu silêncio sofredor que carrega consigo dia e noite.

Não, não vai desistir, não é da sua natureza teimoso, desistir. A sua timidez impede-o, ele sabe, reconhece que é difícil libertar-se da timidez que há muito é sua companhia e contra a sua vontade continua a sofrer. Não sabe se irá vencer essa sua timidez de tantos e tantos anos mas não vai desistir.

Acabou de ler mais um livro "A Vida Brinca Comigo" de David Grossman. Leu-o não de uma assentada, mas quase de empreitada. Não pode negar que gosta de ler autores Judeus. Ele não é judeu. É português de lés a lés, simplesmente. Cresceu à beira mar com raízes na fronteira do esquecido e abandonado interior raiano de Idanha-a-Nova. Ao longo da leitura tomou notas que escreveu em folhas com esferográfica "Bic fina" um dia a azul e no outro a preto. Algumas vezes as frases que anotava levavam-no para o seu segredo silencioso, contudo sabe que não se pode imaginar o que não se viveu por medo. Um medo talvez covarde. Situação que tenta esquecer sem o conseguir por agora.

Hoje é sábado, dia 19 de Março. Dizem que é dia do Pai, dia de S. José para os que têm fé nos santos. Pouco lhe importa. Não liga a estes festejos de dias, promulgado pela sociedade que nos domina e parametriza o pensamento. Recorda o dia porque há muitos anos, tantos que já nem se lembra se tinham já as duas filhas ou apenas uma. Nesse ano, conduzia o seu Fiat127 deslocando-se para o trabalho quando no Restelo atropelou um senhor que inadvertidamente atravessou a estrada não lhe dando possibilidade alguma de não lhe bater. É a maior recordação que tem do designado dia do pai. A vida prega-nos muitas partidas.

Abre o computador, apenas para ver o seu e-mail e talvez dar continuidade ao que vai escrevendo no telemóvel, que funciona como mais uma gaveta de memórias que o tempo se encarrega de transformar em recordações. Passa os olhos pela rede social e lá continua o sinal de «conta restrita». Lê e vê o que outros publicam. Muitas mensagens e fotos a festejarem as lembranças, as saudades que quem as publica tem do seu pai. Um dia, onde o passado de muitos está semeado de recordações.

Recorda a frase que leu e anotou nos seus papeis «na vida há coisas que podem ser concretizadas e outras que não podem. As que se concretizam, esquecemo-las imediatamente. Contudo, as que não conseguimos concretizar, guardamo-las eternamente no nosso coração como algo que nos é muito caro» (Kyoichi Katayama – Um grito de amor desde o centro do mundo). Sorri para si. 


Salva o que escreveu no computador e desliga-o.

 

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