quinta-feira, 24 de março de 2022

22.03.23

Nunca foi um homem da diversão noturna. Nem para estudar, porque mal começava a ler logo se deixava dormir. Em conversas de amigos pela noite dentro sim, de resto a noite para ele sempre foi negra como um dia na guerra olhou a morte.

O que se passou recentemente à porta de uma casa de divertimento noturno, tem causas que não conhece de todo. Limita-se a ouvir as notícias da morte do infeliz polícia assim como dos presumíveis culpados, sendo que pelo menos dois deles são ou pertencem ao corpo de fuzileiros. Fuzileiros que são a tropa especial da Marinha. Os fuzileiros, no seu tempo de serviço militar, estavam para a Marinha, como os comandos para o Exército e os paraquedistas para a Força Aérea. Com as reformas que vão acontecendo parece-lhe que a força especial dos paraquedistas está agora integrada no Exército.

Como os fuzileiros pertencem à Marinha que têm como Chefe do Estado Maior da Armada o senhor Almirante Gouveia e Melo que, como ficou à vista de todos aquando da sua nomeação, o mesmo não era escolha do agrado do Comandante Chefe das Forças Armadas, que é o Presidente da República, hoje há hora de almoço já viu o Presidente aparecer a comentar o caso da morte do infeliz polícia nos canais do seu amigo político Balsemão.

A vida do senhor Almirante Gouveia e Melo não será fácil nos próximos tempos. As toupeiras de Belém não lhe irão dar descanso. Ainda há pouco tempo o Presidente da República como Comandante Chefe das Forças Armadas vetou a nomeação de um oficial da Marinha proposto pelo senhor Almirante Gouveia e Melo.

Aguardemos a ação das toupeiras comunicacionais televisivas com os seus dizeres cínicos… que as águas vão andar agitadas neste tempo de pensamento único tão do agrado desta nova maioria que se formou com a maldita guerra na Ucrânia.


Depois do jantar leu os blogs que vai seguindo, assim como o que dizem os links lá aconselhados. Viu o outro lado da informação sobre a guerra. Guerra que tem causas que o pensamento único vigente não só omite como ignora e censura. Procurou de seguida ver um pouco de televisão mas como não dá ouvidos aos canais generalistas cheios de paineleiros que tudo sabem, acabou por ouvir falar de futebol e do mundo de interesses que se movem à volta dos chamados grandes clubes nacionais. Como aquilo é um fandango mal dançado logo se deixou dormir no sofá.

Já na cama, durante a noite, ao acordar escutou os sinais do corpo. A bexiga ainda estava calma. Quis lembrar-se do que estava a sonhar mas não foi capaz. Ficou contudo a ideia de que seria sobre a guerra e o pensamento único que domina não só na comunicação social mas na sociedade em geral, onde a minoria que pensa diferente é logo acusada de ser a favor do russo Putin, a fazer lembrar-lhe o velho slogan salazarista de que quem não está a meu favor, está contra mim, é comunista. Quarenta e oito anos de democracia onde se melhorou as condições de vida dos portugueses, mas as públicas virtudes e os brandos costumes salazaristas vestiram-se de roupagem democrática continuando na essência a dominar o pensamento da grande maioria dos portugueses.

Recorda o poema de Bertolt Brecht no livro da coleção Forma que lhe custou na altura 40 escudos em Setembro de 1972, poema que diz o seguinte:


Os tempos modernos não começam de uma vez por todas.

Meu avô já vivia numa época nova.

Meu neto talvez ainda viva na antiga.


A carne nova come-se com velhos garfos.


Época nova não a fizeram os automóveis

Nem os tanques

Nem os aviões sobre os telhados

Nem os bombardeiros.


As novas antenas continuaram a difundir as velhas asneiras.

A sabedoria continuou a passar de boca em boca.

(Bertolt Brecht)



Ao caminhar com a sua amiga Sacha pelo caminho usual de quase todas as manhãs, as suas lembranças voaram para a casa dos seus avós em Segura, lá onde o Rio Erges divide o território nacional do espanhol. Nunca entrou na casa onde seu pai nasceu. O seu avô vendeu-a ainda ele era jovem. Gosta contudo de andar por lá e, quando lá voltar irá de novo fotografar quer as janelas quer a porta. Não sabe se o símbolo em pedra que consta de uma das janelas é um sinal de que naquela casa viveram cristãos-novos. Sabe que a trisavó do seu avô quando chegou à região vindo de norte com a sua família Caldeira, carregavam consigo a designação pouco abonatória de cristãos-novos, isto porque eram judeus sefarditas convertidos ao cristianismo. Não sabe, nem sequer se importa saber se a conversão foi para fugirem à fogueira ou se foi voluntária, sabe sim que vieram emigrando para a região entre Zebreira, Segura e Salvaterra do Extremo. Até podem ter vindo a fugir de Castela em vez de virem de outras terras mais acima na Beira Baixa. Talvez um dia vá averiguar apenas para conhecer um pouco das suas raízes e nada mais que isso, pois ele é português de lés a lés, com as raízes na fronteira terrestre cresceu à beira mar na fronteira com o Atlântico. A casa que foi de seus avós ostenta dois beirais sinal de algum desafogo económico de quem lá viveu. O que sabe é que tanto do lado dos seus avós paternos (Segura) como dos avós maternos (Zebreira) todos eram cristãos católicos. O seu avô paterno, Luís dos Santos Andrade, de alcunha Luís Mouco foi por duas ou três vezes Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Segura. Sim, naquela pequena aldeia mesmo na fronteira, no esquecido e abandonado interior raiano de Idanha-a-Nova existe e sobrevive ainda com muita dificuldade a Santa Casa da Misericórdia de Segura de idade bastante antiga. O seu avô não foi só Provedor como era Legionário, fervoroso defensor das políticas de Salazar. Um bom vivant de hotéis e putas em Castelo Branco que mandou com a casa agrícola para a insolvência. Da herança da casa agrícola insolvente sobejou para os quatro filhos um terreno com oliveiras que de todos os atuais herdeiros só ele conhecia a localização. Terreno que após a morte de seu pai conseguiu, comunicando tudo aos seus primos, regulariza-lo em seu nome e do seu irmão para posteriormente realizar a vontade de seu pai, com a doação do terreno à Santa Casa da Misericórdia de Segura, sendo na altura Provedor o sr. Eduardo da Preta.

Depois de registar essas suas recordações, olhou a conta de e-mail, passou os olhos pelo facebook onde continua a cumprir os vinte e nove dias de censura às suas publicações, fechou o computador e voltou à leitura.

 

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