sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Para trás tinha ficado Luanda e todo o caminho que no dia vinte e um fizemos até chegarmos ao RI20 em Nova Lisboa, onde pernoitámos para voltarmos a sair de madrugada rumo ao nosso destino. À medida que caminhávamos para leste a paisagem ia-se modificando, às terras avermelhadas de Luanda andávamos agora por terras arenosas onde mata que circundava a estrada era mais aberta. Não me lembro do almoço. Ainda Nova Lisboa estava no horizonte quando dei por lá ter deixado o relógio que a minha avó me tinha oferecido por ter feito o exame da quarta classe e o de admissão à escola industrial e comercial de Peniche. Pelo caminho passámos na sede do Batalhão, onde me senti contente por o Comandante de Batalhão ter perguntado ao Capitão de Companhia quem era aquele Alferes. É que desde a primeira palestra que nos deu à sua chegada ao BC10 em Chaves, nunca mais me apanhou numa das suas reuniões com os oficiais, ou porque estava de serviço ou porque me baldava ou porque não gostava de dar nas vistas passando a minha existência despercebida ao mesmo senhor. Depois dos cumprimentos seguimos caminho rumo a sul até ao Mumbué onde os camaradas da Companhia que íamos render estavam em festa e nos receberam em festa, cantando,dançando, tocando música com os pratos e talheres, não houve nem foguetes nem tiros mas a alegria deles era inversamente proporcional à nossa apreensão.
Depois de arrumados os soldados do meu grupo, sozinho no meio daquela euforia toda, sentei-me na mala que tinha levado e voei para o colo da minha mãe, as lágrimas vieram e os porquês do que estava ali a fazer eram mais que muitos. Naquele dia, há quarenta e cinco anos, fazia este jovem os seus vinte e dois anos de vida e de sonhos. E ali estava ele sozinho com a sua mala, os seus livros, cassetes e a sua G3 a olhar num olhar vazio de incompreensão da festa que o rodeava, até que alguém o veio chamar e o ajudou a levar as coisas para a messe dos oficiais.
Memórias, hoje vividas sem tristeza, porque não é por ter passado o que passei, por ter vivido o que vivi e não ter vivido o viver dos meus sonhos de juventude, que sinto tristeza, ou revolta. A vida é uma função de experiências cumulativas, umas melhores, outras piores, mas todas nos servem para podermos aprender e apreender os significados de tais factos e momentos. Fui jovem e voltei homem. A 22 nasci. A 22 cheguei ao Mumbué e a 22 dois anos mais tarde passei à disponibilidade. Dizem os da numerologia que o meu numero é o 22, talvez seja.
A partir de hoje, o meu sonho grisalho é poder viver com qualidade de vida até à inversão da ordem dos números de vida que já tenho!

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