Um
Domingo igual a todos os outros dias vividos nesta quase ausência de
vida. Lá fora reina o silêncio. Silêncio que com o passar dos dias
cansa até os amantes do sossego. Ruas desertas onde os carros
estacionados, assim como o lixo acumulado nas ilhas ecológicas nos
dizem que há gente por detrás das portas e janelas fechadas. Até a
passarada parece estar recolhida de quarentena, um ou outro casal de
pardais nos jogos da procriação, um ou outro casal de melros em
busca de alimentos e no regresso o cantar dos rolos anunciando-se às
suas companheiras. O gato Lorde vai aparecendo umas vezes de manhã
outras ao final da tarde. Está a fazer quase cinco anos que nos
conhecemos sem que ele algum dia deixasse fazer uma festa. É um gato
de rua que preza a sua liberdade. A sua presença por baixo dos
carros põe em sentido a praga dos pombos que o pessoal do lar tanto
gosta de alimentar.
Assim
se vai vivendo esta ausência de vida num tempo de recolhimento
forçado, tudo por causa de um vírus que veio por um ponto de ordem
nas nossas vidas dando um murro forte na sociedade do consumismo
desenfreado onde o “ter” se sobrepôs ao “ser” pela ausência
crescente de valores sociais. Um tempo em que os políticos se
preocupavam e preocupam muito mais com as aparências dos números
frios das estatísticas e percentagens do que com o bem estar social
dos seus cidadãos. Vírus que veio por a claro a ausência de
preocupações sociais no chamado mundo ocidental. Por cá
discutíamos há anos a construção de um novo aeroporto, gastando
fundos e fundos orçamentais com tantos estudos e pareceres
improdutivos económica e socialmente. Lobistas, antigos políticos
sem vergonha, passeiam-se nas televisões e redes sociais mascarados
de fazedores de opinião independentes especialistas especializados
com as suas máscaras de engravatados. Não tenho paciência para os
ouvir porque me especializei, sem eles saberem, a ler nas entrelinhas
das suas palavras por vezes coloridas, outras venenosas, quase sempre
redondas parecendo inócuas mas que indiciam os interesses de quem
lhes paga na sombra, para que nos convençam de que o que falam é
para nosso bem.
De
tão entretidos andarmos a discutir o sexo dos anjos em investimentos
públicos de muitos milhões e negociatas, com os tais lobista sempre
rondando o "lombinho" do negócio, que nos esquecemos de
aprovisionar o Serviço Nacional de Saúde Público dos meios
necessários para uma vida sem sobressaltos não só dos seus
funcionários agentes como de todos os cidadãos utentes ou não do
mesmo.
SNS
que felizmente não só resistiu a todos os ataques de liberais,
neoliberais até de sociais-democratas de cartão, mostrando que
mesmo assim com todas as suas insuficiências logísticas e humanas
responde ao inimigo invisível, enfrentando-o, pegando de caras e de
cernelha dando-nos a esperança que os meios e equipamentos
adquiridos sob pressão possam chegar a tempo de evitar muitas mais
perdas de vidas humanas. É a Esperança que nos resta em mais um dia
que só o calendário nos diz que é domingo, de resto é mais um dia
onde o silêncio impera numa quase ausência de vida.
Coloco
a boca junto ao espelho. Vejo que o espelho fica embaciado. Sossego
pois ainda vou estando vivo.
Olho
para dentro de mim
Sobrevivi
a uma guerra
Lutei
contra o câncer
Vivo
em alerta permanente.
Amei,
fui amado depois desamado
Aprendi
a viver só com a Liberdade.
Agora
neste tempo de ausências
Vivo
como que perdido de mim.
No
peito cresce um sentir estranho
Um
medo estranho que não conheço
Um
medo diferente de todos os outros medos que conheci e venci.
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