domingo, 5 de abril de 2020

Décimo oitavo dia do resto das nossas vidas


Um Domingo igual a todos os outros dias vividos nesta quase ausência de vida. Lá fora reina o silêncio. Silêncio que com o passar dos dias cansa até os amantes do sossego. Ruas desertas onde os carros estacionados, assim como o lixo acumulado nas ilhas ecológicas nos dizem que há gente por detrás das portas e janelas fechadas. Até a passarada parece estar recolhida de quarentena, um ou outro casal de pardais nos jogos da procriação, um ou outro casal de melros em busca de alimentos e no regresso o cantar dos rolos anunciando-se às suas companheiras. O gato Lorde vai aparecendo umas vezes de manhã outras ao final da tarde. Está a fazer quase cinco anos que nos conhecemos sem que ele algum dia deixasse fazer uma festa. É um gato de rua que preza a sua liberdade. A sua presença por baixo dos carros põe em sentido a praga dos pombos que o pessoal do lar tanto gosta de alimentar.
Assim se vai vivendo esta ausência de vida num tempo de recolhimento forçado, tudo por causa de um vírus que veio por um ponto de ordem nas nossas vidas dando um murro forte na sociedade do consumismo desenfreado onde o “ter” se sobrepôs ao “ser” pela ausência crescente de valores sociais. Um tempo em que os políticos se preocupavam e preocupam muito mais com as aparências dos números frios das estatísticas e percentagens do que com o bem estar social dos seus cidadãos. Vírus que veio por a claro a ausência de preocupações sociais no chamado mundo ocidental. Por cá discutíamos há anos a construção de um novo aeroporto, gastando fundos e fundos orçamentais com tantos estudos e pareceres improdutivos económica e socialmente. Lobistas, antigos políticos sem vergonha, passeiam-se nas televisões e redes sociais mascarados de fazedores de opinião independentes especialistas especializados com as suas máscaras de engravatados. Não tenho paciência para os ouvir porque me especializei, sem eles saberem, a ler nas entrelinhas das suas palavras por vezes coloridas, outras venenosas, quase sempre redondas parecendo inócuas mas que indiciam os interesses de quem lhes paga na sombra, para que nos convençam de que o que falam é para nosso bem.
De tão entretidos andarmos a discutir o sexo dos anjos em investimentos públicos de muitos milhões e negociatas, com os tais lobista sempre rondando o "lombinho" do negócio, que nos esquecemos de aprovisionar o Serviço Nacional de Saúde Público dos meios necessários para uma vida sem sobressaltos não só dos seus funcionários agentes como de todos os cidadãos utentes ou não do mesmo.
SNS que felizmente não só resistiu a todos os ataques de liberais, neoliberais até de sociais-democratas de cartão, mostrando que mesmo assim com todas as suas insuficiências logísticas e humanas responde ao inimigo invisível, enfrentando-o, pegando de caras e de cernelha dando-nos a esperança que os meios e equipamentos adquiridos sob pressão possam chegar a tempo de evitar muitas mais perdas de vidas humanas. É a Esperança que nos resta em mais um dia que só o calendário nos diz que é domingo, de resto é mais um dia onde o silêncio impera numa quase ausência de vida.
Coloco a boca junto ao espelho. Vejo que o espelho fica embaciado. Sossego pois ainda vou estando vivo.

Olho para dentro de mim
Sobrevivi a uma guerra
Lutei contra o câncer
Vivo em alerta permanente.
Amei, fui amado depois desamado
Aprendi a viver só com a Liberdade.
Agora neste tempo de ausências
Vivo como que perdido de mim.
No peito cresce um sentir estranho
Um medo estranho que não conheço
Um medo diferente de todos os outros medos que conheci e venci.

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