quarta-feira, 29 de abril de 2020

Quadragésimo segundo dia do resto das nossas vidas


Estamos a chegar ao fim deste tempo de emergência. Quarenta e dois dias depois de o mesmo ser inicialmente decretado pelos que têm e usam o poder de decretar estas coisas. Saímos da emergência, iremos entrar noutro estado com outro nome pomposo de meter medo, "calamidade" assim dizem os que parecem saber destas coisas de estados para nos meterem medo e fecharem-nos em casa a papar continuamente doses de drogas televisivas sem qualquer valor educativo de como nos devemos comportar socialmente em colectivo de liberdade. Só drogas noticiosas de meter medo esses papagaios de mau gosto nos dão. Eles sabem como eu como muitos de nós que o medo é irracional, aguardando ansiosos que a terrível ansiedade promovida pelo medo lhes permita noticiar esses tristes acontecimentos em exclusivo, publicando ou mandando publicar posteriormente que a divulgação de tal reportagem bateu todos os outros papagaios maldizentes concorrentes.
As minhas dúvidas desfazem-se são quase certezas mas guardo-as no meu arrumario para mais tarde.

Levantei-me mais ou menos à minha hora. Com os olhos meio abertos procurei ver as primeiras páginas dos jornais. O que me pareceu ver na noite de ontem quando saltava de canal em canal parecia confirmar-se. Saí para a minha habitual caminhada com a minha amiga. Mais carros a circularem na E. N. 10 em direcção à cidade grande. Bom sinal. Pensei mas logo me assaltou a dúvida. Que embora viva sem medo do vírus as dúvidas não me deixam em paz e por tudo e por nada me assaltam. De tão duvidoso que ando, fico por vezes a olhar o espelho para confirmar se ainda sou eu mesmo. Os trabalhadores do costume cruzaram-se comigo. A maioria usando mascaras diversas. Camiões que entram e saem dos centros logísticos enquanto outros aguardam a sua vez.

Ao tomar o pequeno almoço vi com mais atenção as imagens da tal reunião que ontem o PM teve com dirigentes do pontapé na bola e de três clubes chamados de grandes. Junto com o PM havia pelo menos dois Ministros, o da Economia e o da Educação que tutela o desporto.
Todos numa sala. Todos sem máscaras antes, durante e depois. Sobre o péssimo exemplo dado por aqueles responsáveis nem uma palavra ouvi, nem li nos jornais. Naquela sala a concentração das tais gotículas que produzimos ao falar e ficam a planar no ar foi muito superior às tais gotículas que se poderiam produzir nas comemorações do 25 de Abril na Assembleia da Republica com o dobro dos que nela participaram.
Contra as comemorações do 25 de Abril muitos falaram. Alguns pelo ódio que nutrem ao espírito do dia, outros pela santa ignorância de quem vai na manada sem se aperceber da qualidade da comida que lhe oferecem.

Por estas e por outras é que as minhas dúvidas me assaltam e me inquietam. Algo não bate certo mas ainda não descobri. Há muito ruído no ar. Agora que a poluição ambiental diminuiu sobe a poluição sonora a níveis de decibéis que não me deixam ver o que está nas entrelinhas. Uma coisa é certa, a quarentena seja em emergência ou calamidade só interessa a quem esta infectado.

Não são todos os lares de idosos obrigados por lei a terem contratos com médicos e enfermeiras? Algo vai mal, muito mal… há muito que também neste sector da actividade económica lucrativa o rei vai nu mas gostam de nos venderem gato por lebre… atirando depois areia para os olhos quando o telhado começa a ruir

Quantos pescadores que todos os dias saem para o mar em busca do seu sustento se infectaram no mar?

Quem é cego para o futuro vive sem sonhos” (Mia Couto, O Universo Num Grão de Areia)

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