Estava
longe, muito longe. Longe na distância, longe no pensar, longe até
no sonhar. Sonhar tornara-se perigoso tal o exército de polícia
secreta, bufos, legionários e simples pessoas fanáticas e fiéis
aos bons costumes e públicas virtudes que o tirano velho "botas"
instituiu e o novo-velho "professor" deu continuidade com
nova roupagem, sempre vigiado pela brigada mais ortodoxa e fiel ao
"corta fitas".
Naquele
tempo até o sonhar tornara-se perigoso não fossem eles adivinhar,
entrarem nos nossos sonhos ficando a conhecer os nossos desejos de
Liberdade.
O
país vivia amordaçado internamente, orgulhosamente sós no convívio
externo das Nações. Um só partido político legal a União
Nacional que por acção do novo-velho "professor" mudou a
sua designação para Acção Nacional Popular cuja existência se
destinada a apoiar as medidas tomadas pelo Conselho de Ministros ou
quando muito a pedir que as mesmas fossem mais gravosas.
Pior
que a mordaça era a vida de miséria da grande maioria das suas
gentes. Miséria que o regime procurava manter como desígnio da alma
lusitana, promovendo a cunha, a pequena corrupção transversal por
forma a manter intocáveis os interesses de meia dúzia de famílias
que beneficiavam da sua proteção e de um condicionamento industrial
que nos colocava bem na cauda da Europa.
Miséria
agravada pela manutenção de uma guerra inglória em três das suas
províncias ultramarinas (colónias). Guerra
que estando sempre
ganha segundo nos
afiançavam já durava
há treze anos e onde muitos dos seus jovens por lá ficaram em
sepulturas longe dos seus familiares,
sem glória
nem uma flor, apenas a
cruz que camaradas de infortúnio colocavam; outros
regressaram com traumas para uma vida inteira.
Vangloriavam-se
os do regime com o ouro guardado no Banco de Portugal. Reservas de
ouro manchadas pela exploração miserável a que sujeitou as suas
gentes quer no continente quer nas tais províncias ou colónias
ultramarinas. Que não servia para mais nada senão para a propaganda
fascista. Éramos tristes, miseráveis mas ricos.
Éramos
um povo a preto e branco, onde a carta dos direitos humanos decretada
pela ONU não se aplicava. Direitos dos cidadãos não existiam a não
ser o da missa dominical, da romaria anual ou de uma ou outra viagem
até Lisboa para agradecer aos velhos tiranos o estado de miséria
que eles nos garantiam, livrando-nos das poucas vergonhas que corriam
em outros países dominados ou deixando-se dominar pelas ideias de
Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Lá
longe, muito longe podia-se sonhar às escondidas mas o sonho lúcido
primeiro de todas as horas de todos os sonhos era o regresso a casa,
o deixar aquela guerra que não era nossa, onde só houve vencidos
quer de um lado quer do outro … o sonho desejado morava para lá da
linha distante do horizonte...
Quis
a história que jovens militares de carreira arriscassem as suas
próprias vidas e nos trouxessem lá do horizonte longínquo a tão
sonhada Liberdade. Militares que de boa fé entregaram demasiado cedo
o poder aos líderes políticos civis para que Portugal pudesse ser
uma Democracia de plano direito.
Hoje,
quarenta
e seis anos depois
chegámos
ao Estado a que chegámos. Líderes
políticos saudosistas ou pouco amigos da Democracia igual
para todos, arrastam
consigo
muitos
civis a pretexto das
mortes infelizes que vão ocorrendo por causa de um tal vírus, como
se a culpa delas estarem
a acontecer
fosse daquele
dia redentor da nossa história. Por
detrás da dor que apenas
aparentam
o
seu querer
é o começar a reformar
a
lembrança da gloriosa madrugada que
o
25 de Abril representa
na história de quase novecentos anos de Portugal.
Para
mim que há quarenta e seis anos não sabia se a minha vida tinha
futuro, digo que Ontem… Hoje… Amanhã… até ao dia em que a
água secar no meu corpo… 25 de ABRIL SEMPRE!!
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