sexta-feira, 24 de abril de 2020

Trigésimo sétimo dia do resto de nossas vidas


Estava longe, muito longe. Longe na distância, longe no pensar, longe até no sonhar. Sonhar tornara-se perigoso tal o exército de polícia secreta, bufos, legionários e simples pessoas fanáticas e fiéis aos bons costumes e públicas virtudes que o tirano velho "botas" instituiu e o novo-velho "professor" deu continuidade com nova roupagem, sempre vigiado pela brigada mais ortodoxa e fiel ao "corta fitas".
Naquele tempo até o sonhar tornara-se perigoso não fossem eles adivinhar, entrarem nos nossos sonhos ficando a conhecer os nossos desejos de Liberdade.
O país vivia amordaçado internamente, orgulhosamente sós no convívio externo das Nações. Um só partido político legal a União Nacional que por acção do novo-velho "professor" mudou a sua designação para Acção Nacional Popular cuja existência se destinada a apoiar as medidas tomadas pelo Conselho de Ministros ou quando muito a pedir que as mesmas fossem mais gravosas.
Pior que a mordaça era a vida de miséria da grande maioria das suas gentes. Miséria que o regime procurava manter como desígnio da alma lusitana, promovendo a cunha, a pequena corrupção transversal por forma a manter intocáveis os interesses de meia dúzia de famílias que beneficiavam da sua proteção e de um condicionamento industrial que nos colocava bem na cauda da Europa.
Miséria agravada pela manutenção de uma guerra inglória em três das suas províncias ultramarinas (colónias). Guerra que estando sempre ganha segundo nos afiançavam já durava há treze anos e onde muitos dos seus jovens por lá ficaram em sepulturas longe dos seus familiares, sem glória nem uma flor, apenas a cruz que camaradas de infortúnio colocavam; outros regressaram com traumas para uma vida inteira.
Vangloriavam-se os do regime com o ouro guardado no Banco de Portugal. Reservas de ouro manchadas pela exploração miserável a que sujeitou as suas gentes quer no continente quer nas tais províncias ou colónias ultramarinas. Que não servia para mais nada senão para a propaganda fascista. Éramos tristes, miseráveis mas ricos.
Éramos um povo a preto e branco, onde a carta dos direitos humanos decretada pela ONU não se aplicava. Direitos dos cidadãos não existiam a não ser o da missa dominical, da romaria anual ou de uma ou outra viagem até Lisboa para agradecer aos velhos tiranos o estado de miséria que eles nos garantiam, livrando-nos das poucas vergonhas que corriam em outros países dominados ou deixando-se dominar pelas ideias de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Lá longe, muito longe podia-se sonhar às escondidas mas o sonho lúcido primeiro de todas as horas de todos os sonhos era o regresso a casa, o deixar aquela guerra que não era nossa, onde só houve vencidos quer de um lado quer do outro … o sonho desejado morava para lá da linha distante do horizonte...
Quis a história que jovens militares de carreira arriscassem as suas próprias vidas e nos trouxessem lá do horizonte longínquo a tão sonhada Liberdade. Militares que de boa fé entregaram demasiado cedo o poder aos líderes políticos civis para que Portugal pudesse ser uma Democracia de plano direito.
Hoje, quarenta e seis anos depois chegámos ao Estado a que chegámos. Líderes políticos saudosistas ou pouco amigos da Democracia igual para todos, arrastam consigo muitos civis a pretexto das mortes infelizes que vão ocorrendo por causa de um tal vírus, como se a culpa delas estarem a acontecer fosse daquele dia redentor da nossa história. Por detrás da dor que apenas aparentam o seu querer é o começar a reformar a lembrança da gloriosa madrugada que o 25 de Abril representa na história de quase novecentos anos de Portugal.

Para mim que há quarenta e seis anos não sabia se a minha vida tinha futuro, digo que Ontem… Hoje… Amanhã… até ao dia em que a água secar no meu corpo… 25 de ABRIL SEMPRE!!

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.