O
silêncio igual ao de todas as manhãs. Quando a segunda feira é
igual ao domingo e este igual a todos os outros, tudo o que nos
rodeia vai ficando mais pesado num silêncio que faz doer os próprios
ouvidos, começando a duvidar se tudo não passa de um pesadelo.
Talvez
se conseguisse dormir mais umas horas o silêncio pudesse ser
diferente. O hábito de acordar cedo vem de longe começando lá longe em outras terras de outros gentios onde aprendi a acordar
à hora certa mesmo sem relógio para despertar. Hoje como então
não olho ao calendário. Há mesma hora, mais minuto menos minuto o
corpo dá sinal. Se optar
por voltar a
deitar ou
ficar mais tempo, o lugar sagrado do descanso perde sabor porque o
corpo como que começa a doer incomodado sem
posição.
A
manhã
deste trigésimo terceiro dia começou como a noite de ontem acabou.
O telefonema de um amigo que no outro tempo desta vida foi o capitão
da
minha
companhia informou-me que o Reinaldo Barbosa Miranda, soldado
09488572 também conhecido pela alcunha de “Peru” tinha falecido.
Mais um
do meu grupo,
que um dia foi jovem e soldado primeiro em Chaves a receber a
instrução de caçador depois
a acompanhar-me nas aventuras e dificuldades por terras de Angola. Um
jovem que cimentou a minha revolta contra o sistema ditatorial de
cunhas e favores que reinava em nome de uma moral putrefacta. O jovem
Miranda, minhoto de nascença, era bom rapaz, cumpridor que não
levantava ou criava outros problemas que não fossem a sua inaptidão
para as coisas da ordem militar e da guerra.
Estávamos nós em Viana do Castelo a aguardar a ordem de embarque,
quando as altas patentes nos puseram a limpar as ervas daninhas no
Forte de Santiago da Barra. Nesse limpar das ervas calhou-nos o
limpar dos muros da entrada do Forte, quando o amigo Miranda é visto
pelo cabo-miliciano com a cabeça no muro. Ao questioná-lo sobre o
que estava a fazer naquela posição, o amigo Miranda respondeu: -
Estava a ver se a minha cabeça cabia no buraco. Quando
em operações no mato o quarto de sentinela lhe cabia a ele era
certo que se deixava dormir sem acordar o soldado seguinte, pelo que
passou a não ser escalado ou a ser o ultimo e mesmo assim se deixava
dormir. Era um perigo ao limpar a arma. Felizmente limpava-a sempre
na vertical virada para o céu pois raras foram as vezes em que não
se esquecia de retirar a bala da câmara e lá saia mais um tiro para
o ar. De resto não levantava qualquer problema. Tinha
um irmão mais novo a
estudar para padre que
ele cuidava e educava com o pré miserável que como soldado recebia
e
conseguia fazer chegar ao irmão.
Passado
muitos anos após a passagem à “peluda” a primeira vez que fui a
uma almoço da CCS e da 2ª Companhia veio logo ter comigo a
perguntar-me se eu o conhecia. Olhei, olhei e não o reconheci até
que ele me diz: - Sou o Miranda, o “Peru”. Depois soube que
andava com problemas na próstata e as coisas não lhe corriam bem.
Ainda
lhe telefonei quando passámos a reunirmos em Coimbra ao que ele me
disse que não podia, não tinha condições, a sua moto não dava
para chegar tão longe.
Acabou-se.
Mais
um. E
já são uma mão cheia os jovens tão jovens quanto eu que me
aturaram
e foram fieis que a
pouco
e
pouco vamos terminando esta viagem.
Apetece-me
gritar bem alto contra
as injustiças dos homens.
Reclamar ao Deus todo poderoso? já desisti! porque nunca me respondeu às conversas que lhe fiz.
Reclamar ao Deus todo poderoso? já desisti! porque nunca me respondeu às conversas que lhe fiz.
Que
descanses em Paz! Soldado 09488572
Reinaldo
Barbosa Miranda!
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