O
acordar igual aos dias anteriores. A manta amiga nas pernas. O casaco
vestido por cima do pijama. Atrás de mim a janela da pequena varanda
quase virada a norte. Lá fora o escuro é interrompido por um ou
outro carro que passa na E. N. 10. Estranho. Embora
seja feriado há mesmo assim quem ainda trabalhe e como tal se tenha
de deslocar para concelhos vizinhos. Quando sair lá pelas sete vou
ver em que direcção circulam.
Dizem
que os velhos são os mais teimosos em quererem andar na rua. Talvez
sejam. O sentir que a vida está na fase final impele-os a darem o
seu passeio para desentorpecer as pernas já que o corpo vai perdendo
agilidade. Quem sabe se os carros que estranhamente vão passando não
são de velhos que teimam em ir passar a Páscoa à santa terrinha.
Velhos que aprenderam na guerra de África que os golpes de mão ao
inimigo se deveriam executar ao nascer do dia. Quer
os polícias, quer os guardas que durante este tempo de emergência
vemo-los
e sabemos que controlam os pontos estratégicos nas grandes cidades,
também eles precisam de descansar, podendo a vigilância ser menor
durante a madrugada. Aqui estou eu a supor coisas que não sei,
podendo estar a dizer pequenas parvoíces e pouco mais.
Continuo
neste vigésimo terceiro dia a ver pouco a televisão. Só às
refeições e chega para ficar pelos cabelos em pé ao ouvir o que se
passa com o vírus covid-19 e, com aquilo que os chefes ocultos
mandam dizer aos pivôs. Quase que nem a rádio já ouço. Ouvir
música, ler e o escrever estas parvoíces que escrevo no telemóvel
para depois as enviar para o meu email, emendar erros e guardar no
meu blog, minha caixa de recordações, desabafos, imagens do estado
de espírito. O telefonar a familiares e amigos. Assim é o meu
passar dos dias a que me habituei há muito. Os erros que cometemos
na vida cá se pagam, por isso vivo estes dias em casa sem ansiedade.
A casa sempre é um refúgio. Deixei para trás as saudades do
futuro, não deixando de pensar na minha casinha do interior, meu
centro espiritual de descanso onde tudo para mim é mais leve. Aqui
nas margens da cidade grande é certo que saio à rua pelo menos duas
vezes por dia para dar o passeio com a minha amiga Sacha, uma vez por
outra vou ao supermercado e também já passei uma hora e um quarto
na fila da farmácia para comprar os comprimidos que a médica de
família me prescreveu por causa da pressão arterial. A mínima tem
a mania de querer subir quando deixo de tomar os tais comprimidos,
sempre na esperança que o ritmo possa voltar ao que era antes de ter
ficado desempregado, de ter cometido as asneiras em negócios onde me
meti ingénuo. Lá me convenci que é melhor tomar estas pequenas
drogas químicas do que arriscar a ter um treco ficando dependente a
dar trabalho aos outros por culpa do meu pensar.
Há
tantas formas dissimuladas de vivermos nesta sociedade de consumo
desenfreada, que vivemos presos pensando que somos livres. A falsa
ideia de liberdade em que muitos viviam sem se aperceberem está a
leva-los, neste tempo de emergência, a uma ansiedade da ilusão que
os apoquenta com alguns a quererem romper o que as autoridades
decidiram, «ficarmos em casa».
O
relógio de pulso já deu sinal. Faltam 15 minutos para as sete.
Vou-me vestir para ir dar o passeio matinal não esquecendo nunca a
comida do amigo Lorde. Depois…
Bem
depois que chegamos à rua verifiquei que a esmagadora maioria dos
veículos que transitavam na E. N. 10 faziam-no em direcção à
cidade grande. Pelo certo a caminho dos seus trabalhos.
Hoje
pareceu-me ouvir que no que respeita ao refuncionamento das escolas prevaleceu o bom senso. Ainda não chegou o momento de se decidir
pela reabertura das mesmas.
A
minha preocupação continua. Quando é que poderei viajar até à
minha casinha? Será que também eu vou ter que desobedecer ao
estabelecido pelas autoridades?
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.