quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

22.08.09

Quando eu era jovem vivíamos os tempos da noite escura e perigosa salazarenta. Tão perigosa para a Liberdade, que até as paredes tinham ouvidos, tal era o número de bufos ao serviço da polícia assassina, que pomposamente os situacionistas integralistas absolutistas chamavam de "polícia internacional de defesa do estado".

Quando eu era jovem também havia guerras pelo Planeta para lá da guerra que o país travava nas suas colónias africanas. Mas, quando eu era jovem, muita da juventude de então manifestava-se contra a guerra, arriscando a sua própria liberdade na defesa da Paz. Contra a guerra nas colónias africanas, mas também, contra a guerra no Vietname, contra as bombas de napalm e outras bombas químicas, utilizadas pelos americanos, já em defesa dos valores do Ocidente. Contra a invasão da Checoslováquia pelo exército soviético. A juventude manifestava-se pela Paz pela Liberdade contra as guerras.

Quando fui jovem, o Estado salazarento, que nunca se tinha importado com a minha existência, lembrou-se que eu existia e mandou-me para a guerra que travava em Angola.

Agora que já sou velho, já deixei a ilusão do idoso, assumindo a condição de velho, vejo guerras fratricidas ocorrerem que põe em causa a Paz e, quem sabe, o futuro da humanidade.

Tristemente não tenho conhecimento de fortes manifestações de jovens (sem bandeirinhas) pela Paz, como quando fui jovem se faziam desafiando a ordem estabelecida.

Sou velho, rabugento, dizem-me que teimoso que nem um corno, tresmalhado do rebanho por vontade própria… sentindo-se bem na minha velhice, continuando não só com vontade de viver mas também a defender a Paz entre todos os seres do Planeta.

Na minha velhice consciente, o mundo que existe entre as pessoas continua a ter todas as cores do arco-íris, nunca foi, não é e não será a preto e branco, haverá sempre os que, como durante a noite escura salazarenta, dizem não, ao pensamento único vigente e estabelecido pelos novos falsos profetas do Ocidente e do Oriente, contra todas as novas e modernas armas independentemente de quem as utiliza.

Os senhores da guerra, cobardes que são, não vão à guerra, mandam os outros matarem-se…


Depois, leu e releu o que tinha acabado de escrever. Eram quase dez da manhã, Preparou-se para ir aos correios na Junta de Freguesia, dando depois um salto ao cemitério para olhar como está a campa com os restos materiais dos seus pais. Foi a pé pelas ruas onde caminhava com o seu avô Chico Capelo, passando pelo antigo palheiro agora convertido em casa pelos novos donos. No Largo onde antes existia uma lagoa e várias furnas onde se criavam porcos, estão agora as instalações do Lar onde se cuidam com zelo idosos e velhos. As ruas agora têm placas com os nomes e o respetivo código postal. Chegou ao largo da sua juventude quando visitava os avós, onde está a Capela do Espírito Santo. Ali, à sombra, relembrou a sua avó Maria Isabel que na altura dos exames dos netos lá ia colocar o seu copo de água com azeite rezando as suas rezas para que o Espírito Santo protegesse e ajudasse os netos. A sua avó nasceu no último ano do século XIX. Ela assim como as irmãs estudaram até fazerem a quarta classe, os irmãos já não se lembra mas pensa que ainda prosseguiram os estudos. Sabe que um viveu depois na cidade de Évora e o outro por Lisboa. Teve uma vida sofrida a sua avó. O seu avô não foi homem que gostasse de trabalhar, sendo sempre um implicativo desconfiado. Foi guarda fiscal mas cedo se reformou, vivendo depois com a parca reforma. O pouco dinheiro que ganhava como escrivão da Junta não chegava para o tabaco mata-ratos Kentucky e para os copos. Junto à casa alugada onde viveram na Rua do Espírito Santo para em frente à janela por onde tantas vezes saltou e entrou. Ao fundo no entroncamento com a antiga rua dos fornos está a casa onde nasceu a sua mãe. Hoje, muito diferente do que foi. Ainda lá dormiu algumas vezes quando regressou da guerra e os seus pais andavam na colheita da azeitona. Seguiu pela Rua da Amoreira. A casa da sua tia Maria do Carmo já não existe, o Município comprou-a para a deitar abaixo facilitando assim o trânsito. Passou pela casa do primo Albano sapateiro em frente à casa do seu tio avô João Capelo, depois pela casa onde o Zézinho tinha a sua loja e onde comprou a primeira máquina de lâminas Nacet, para fazer a barba que era só penugem, mais à frente a Casa do Chefe da Estrada e o edifício da Casa do Povo onde no primeiro andar havia um salão com televisão e salvo erro lá se realizavam bailes. Foi algumas vezes com o seu avô, às quintas-feira assistir à transmissão das touradas. O seu avô gostava de ficar junto à porta e quando ele lhe perguntou porquê não iam mais para a frente, o avô disse-lhe sorrindo que se o soalho fosse abaixo ele não gostava de morrer de morte macaca. Agora, depois de terem feito obras, a Junta de Freguesia está no rés-do-chão e não sabe o que há no antigo salão. A moça sempre simpática dos correios lá o ajudou na encomenda com figos. Seguiu depois para o cemitério passando forçosamente pelo Pelourinho com os seus símbolos históricos, pela Igreja Matriz mais à frente antes de descer a rua para o cemitério. Já não olha as ruínas das casas antigas, em especial a antiga casa do médico Dr. Crisóstomo. O que ali se poderia fazer se houvesse da parte das instituições municipais, vontade para tal, pois quando querem o dinheiro sempre aparece (eles até têm programa aprovado que se designa PERU - Plano Execução de Reabilitação Urbana). As casas abandonadas, todas elas, quando paramos e as olhamos logo nos querem contar a sua triste sina de abandono e solidão. Elas não compreendem estas coisas modernas de desenvolvimento social, que as deixaram ficar abandonadas à sua tristeza, continuando agarradas às vidas passadas que por elas cresceram e viveram.

Fez o regresso quase pelo mesmo caminho, sendo que subiu a Rua onde andam a reformar o Parque Infantil. Parou para olhar com atenção, não o parque, mas as instalações do Centro de Dia. Sentiu pena do estado em que as mesmas se encontram. Aquela obra foi uma realização coletiva do povo da Zebreira, pouco importando a placa sinalizadora de quem a inaugurou; hoje, talvez pela desertificação humana, talvez por algum desleixo encontra-se meio abandonada sem utilização que sirva o povo para que foi criada. Muita coisa mudou desde que a obra foi idealizada e realizada com a ajuda da Segurança Social. Mudaram leis, conceitos e interpretações nesta mudança rápida que no mundo ocorre, incluindo o próprio conceito do Estado Social. Ver uma obra que foi uma mais-valia social desperdiçada dá um sentimento de pena difícil de descrever. Ah!, se os mentores da obra coletiva fossem vivos não iam deixar aquilo assim. Alguma utilidade seria encontrada para fazer reviver a obra coletiva que um dia o povo da Zebreira realizou.

Seguiu pela sombra já na Estrada Nacional, sentindo o trânsito dos camiões e carros fora dos limites de velocidade estabelecidos no atravessar das povoações. Comprou os fracos de mel na sua parenta Maria Isabel Silva. Na reta de saída onde fica a sua casa, estando bem dentro da povoação, as velocidades com que transitam os camiões e veículos só se resolverá com a instalação de radar, dando origem às multas e penalizações aos condutores prevaricadores. Não há volta a dar. Todos têm pressa em chegar ao destino esquecendo a segurança dos habitantes.


Ontem no seu escrito esqueceu-se de mencionar que no Largo do Espírito Santo, junto à capela, a Sra. Carvalha fazia queijos com qualidade muito acima da média. Segundo a sua mãe que sabia de queijos, os da Sra. Carvalha eram os melhores de todos os que pela região se faziam. Sua mãe aprendeu a fazer queijos e até sabão em casa dos seus avós paternos em Segura. Durante a guerra civil de Espanha até o sabão tinha que ser feito em casa pois não havia nas lojas de então, recuperando-se hábitos antigos. Ainda tem os ancinhos e uma pequena bancada onde ela fazia e escorria os queijos que passou a fazer quando o seu pai se reformou e passaram a viver na casinha que construiram vivendo a terceira fase das suas vidas. Tinham algumas ovelhas e, ao leite das ovelhas, misturava leite de vaca que comprava aos Alves. O cardo era também natural, tinham-no plantado na horta.

Um dia o meu irmão que andava a tirar o doutoramento com a supervisão do Prof. André Chaîneau da Universidade de Poitier, pediu à minha mãe que lhe arranjasse um queijo para levar ao Prof. A Chaîneau. Os franceses têm mais variedades de queijo que nós temos de receitas com bacalhau. A esposa do prof. Chaîneau pediu a morada dos meus pais ao meu irmão e escreveu à minha mãe, agradecendo-lhe muito grata, pois há muitos anos que não comiam um queijo tão bom, fazendo-lhe lembrar os queijos que seus avós então faziam, mas que já não se encontram mais pois tudo agora esta industrializado.

Assim, com os interesses dos grandes industriais franceses e outros de queijos a imporem as suas vontades, o governo português, aluno obediente a tudo o que em Bruxelas vomitam, logo impôs a vontade dos grandes industriais franceses e outros aos pequenos produtores de queijos artesanais asfixiando-os, como se a sua atividade fosse a causa maior do deficit das contas públicas. Mais tarde, os descendentes da sra. Carvalhal ainda tentaram obter da Assembleia de Freguesia autorização para instalar em terrenos da Herdade do Soudo uma unidade industrial para queijos e charcutaria, mas logo se levantaram em uníssono as vozes dos Velhos do Restelo contra, porque “os terrenos da herdade são do povo”. Hoje, nesta terra não há nenhuma indústria de transformação, a não ser a padaria e um ou outro empreiteiro de construção civil, que leve o nome da Zebreira a outras povoações e regiões, sendo que continua a não faltar terreno na Herdade para ser utilizado. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, disse o poeta Camões, mas pela Zebreira, não se mudam as vontades ao que parece.

Quando os “Velhos do Restelo” impõem a sua vontade do bota abaixo não há progresso, matando à nascença qualquer iniciativa de mudança. Depois lamentamos a desertificação humana.

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