segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

22.10.07


Acorda pega nos óculos e no aparelho de comunicação. Olha as primeiras páginas dos jornais. Nenhum lhe chama a atenção positivamente, a maioria das notícias são propaganda da oposição. Ele, como gato escaldado de água fria tem medo, não os lê de todo. Passa à rede social Facebook onde o ou os algoritmos que controlam a atividade na rede lhe apresentam quase continuamente publicidade e vídeos de merda. As publicações de gente que gosta de ler têm de as procurar na página dos próprios porque já não lhe aparecem de modo simples.

Estão todos a empurrar o pessoal que olha e pensa de modo próprio para um túnel sem saída nem respiradores, esquecendo-se os lacaios dos mandantes que mesmo na noite mais escura há sempre alguém que resiste, há sempre uma estrela que lhes indica o caminho da esperança de novos tempos num tempo novo. E, nesta ação psicológica contínua com que uns e outros nos fustigam, os que governando se declaram socialistas são por inércia tão cúmplices como os novos saudosistas e arautos dos bons costumes e públicas virtudes em versão moderna do decadente e corrupto Estado Novo que nos órgãos de comunicação social dominam a informação.

Saiu para a rua não tão cedo como nos dias anteriores mas mesmo assim ainda cedo, dos habitantes que estão por cá só encontrou um que fazia a sua caminhada, e muito poucos foram os carros dos jovens que por ele passaram deslocando-se para os seus locais de trabalho.

O nevoeiro acentuou-se com uma densidade que deixava a roupa húmida. Na praia a maré permitia poder caminhar pela areia molhada mas com o nevoeiro tão denso optou por fazer a volta pelas ruas e caminhos da aldeia que a sua amiga já conhece.

Arrumado o pequeno almoço abriu o computador para ver a sua conta de e-mail. O transportador que ontem não chegou tem novo horário para lhe entregar a encomenda de ração para os animais.

Fechado o computador pegou na pasta onde tem os contactos dos seus antigos companheiros e camaradas da 2ª Cia. Caçadores 5010. Há cinquenta anos eram uns jovens desconhecidos que se juntaram para formar a segunda companhia de caçadores, criando um corpo militar e humano disciplinado que mantém laços de amizade e reconhecimento pelo que souberam viver. Desde 2019 que não se encontram. Alguns dos companheiros, camaradas e amigos vão falecendo, outros por inerência de problemas de saúde próprios que a idade trás ou de familiares, mães, pais e esposas, não podem comparecer ao toque de reunir dos cinquenta anos. É a vida. O planeta não para no seu movimento de rotação e com ele todos vão envelhecendo. A convocatória foi feita em tipo teletrabalho. Em vez de se deslocar à cidade onde se costumavam encontrar, optou por telefonar ao amigo Fernando Leocádio, antigo mecânico da companhia, pedindo-lhe ajuda para encontrar na cidade da Figueira da Foz um local onde os antigos combatentes da 2ª C. Caç 5010 se irão reunir em saudável convívio comemorativo da sua amizade e respeito pelas diferenças.

50 anos não são 50 dias, nem semanas ou meses mas uma vida que depois de cumprida a comissão de guerra cada um seguiu o seu caminho, constituindo a sua família, para nestes almoços de confraternização recordarem tempos e peripécias passadas, nunca esquecendo aqueles companheiros camaradas e amigos da Companhia para quem a vida foi madrasta e tão curta.

Realizados os telefonemas de contacto no final da tarde foi até ao Porto Batel. Um dia tão tarde quanto lhe for possível, parte das suas cinzas serão ali clandestinamente entregues ao mar sereno na vazante para que possam ser embaladas mar adentro. Não parava de tirar fotos aos surfistas como seu telemóvel, até a Sacha se impacientava. Quando chegou ao Largo da Igreja voltou a tirar novas e mais fotos as surfistas que naquela hora do por-do-sol aproveitavam as boas ondas que a maré na vazante lhes proporcionava.

Aí, ele que se intitula não ser ciumento nem invejoso, ouviu a sombra segredar-lhe ao ouvido esquerdo: - estas com inveja daqueles surfistas! Ouviu a sua sombra e em silêncio reconheceu que sentia uma ponta de inveja daqueles jovens e da sua liberdade, por no seu tempo de menino e moço não se conhecer esta pratica do surf, nem ser possível a liberdade de convívio que todos eles vindos de vários lugares apresentam no seu dia a dia enquanto permanecem por cá. Os tais brandos costumes e publicas virtudes de então em união com as fracas condições económicas não permitiam viver como felizmente hoje acontece a uma franja da sociedade atual, chamada de classe média.

 

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