terça-feira, 10 de janeiro de 2023

22.09.26

A noite ainda abraçava o dia que já dava mostras de se quer liberar do abraço, quando se levantou. Abriu a porta da rua para espreitar a correria da nortada, que pelas frestas do estore da janela do quarto parecia estar mais mansa num céu limpo de nuvens. Não mudou de indumentária preparando-se para a rotina de todas as manhãs. Saíram para o lado da Relvalonga, passaram pela horta comunitária da AMA Associação Mão Amiga e chegaram ao caminho do Porto Batel. Quando lá chegaram desceram até lá abaixo, ao fundo da arriba. A maré estava na baixa mar. Sentiu algum receio por causa da instabilidade das arribas. Era ali a sua praia de juventude em dias de nortada. Olhou tudo à volta, cada pedra, cada rocha, o despontar do limo correia na maré que mansamente baixava, deixou-se andar pelo passado da sua juventude. O Sol já estava bem acima do horizonte quando subiram e regressaram a casa.

Pelo caminho encontrou carrinhas e caravanas estacionadas à beira da arriba, todas de matrícula estrangeira. Jovens, amantes da natureza e do surf, que sem campanhas publicitárias que promovam esta costa do oeste a sul de Peniche, sabem que nesta pequena povoação, no mar Atlântico a Sul do Forte ou no Porto Batel - Porto da Freira, podem encontrar as suas ondas preferidas, longe da confusão de outros locais mais badalados, preferindo a harmonia que a própria Natureza lhes oferece. Pena é não terem condições mínimas para as suas estadias em busca do que gostam, mas isso é um outro assunto que já não gosta de falar.

Sendo segunda-feira, preparou-se para ir até às rochas a sul do Forte, apanhar um banho de sol à coluna. O primeiro dia em que expôs o corpo aos raios solares, este ano. Nos últimos tempos a coluna no seu início junto à bacia tem apresentado queixas crescentes. Com o avançar da idade tudo aparece. Tratou da Sacha e deixou-a em casa.

Chegado às rochas escolheu uma que permitisse alguma aragem da nortada que à medida que as horas avançam vai também ela avançando de intensidade. Instalado na rocha e já a ler o livro que anda a ler, Pátria de Fernando Aramburu, o amigo António Manuel cumprimentou-o. Estabeleceram um curto diálogo de saudações. O amigo, que foi um avançado de renome nos seus tempos de jovem e do futebol amador de amor ao clube da terra, ia apanhar umas "lapas de dentro" para o seu almoço. Depois do amigo apanhar a quantidade de lapas desejada, voltaram a falar, com o amigo a explicar-lhe como se preparam as lapas de modo a ficarem tenrinhas. Enquanto falavam o amigo tirou uma e deu-lha a provar. Ao comê-la de imediato o tempo voltou num regresso ao passado, para os seus tempos de rapaz quando por lá andava nas marés e as apanhava comendo-as cruas como naquele momento… aquele sabor a mar animou-o de tal modo que perguntou ao amigo António Manuel se no dia seguinte a maré permitia apanhar "lapas de dentro" como as que ele levava para o seu almoço. Na vida há sempre coisas a aprender com os amigos mais velhos.

Era meio-dia quando se preparou para regressar a casa. Para primeiro dia a apanhar sol de Outono não tinha sido nada mau. Pelo caminho mudou a ideia do almoço, guardando a massa de esparguete para amanhã acompanhar as lapas de dentro que irá apanhar… aquele sabor a mar continuava nas suas pupilas…

 

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