segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

22.10.11

Passaram noventa e nove anos. Nasceste na Zebreira, fizeste a instrução primária, a antiga quarta classe, em Salvaterra do Extremo, onde meu pai te conheceu numa visita que os de Segura fizeram aos alunos de Salvaterra do Extremo. Nessa visita, segundo ele me contou, vocês olharam-se num olhar cúmplice que se prolongou quanto teu pai, meu avô, se mudou para Segura indo morar na casa em frente à dele, namoro que continuou aos fins de semana mesmo quando vocês voltaram para a Zebreira. Casaram em quarenta e sete, gerando dois rapazes que não sendo gémeos nasceram no mesmo ano de cinquenta do século passado. Passaste a tua existência a viver para quê nada nos faltasse de modo a que os filhos já rapazes pudessem continuar a estudar com a esperança que se estudassem iriam ter uma vida que lhes permitisse poderem voar para outros horizontes. A todos os sacrifícios da hipócrita sociedade moderna vocês se sujeitaram até que nós os dois, vossos amados filhos, alcançamos a nossa independência económica e voamos para a construção de novas famílias sem nunca vos esquecermos.

Lembro-me mais uma vez de não ter tido coragem de te ver chorar quando parti para a malvada e ignóbil guerra. Nunca tive coragem de me despedir de quem amava, e, eu amava-te e ainda te amo mãe.

Em todo este tempo de quase um século viveste a tua dualidade setenta e seis anos. No dia em que a morte física foi declarada voltei a tratar de todas as coisas, como já tinha feito aquando do fim de tua mãe. Tratei das coisas incluindo o ter metido o teu corpo físico naquela caixa de madeira; também nesse dia assim como nesta manhã de nevoeiro quase cerrado na nossa Consolação passados que são noventa e nove anos te lembro e saúdo sem me despedir de ti mãe Luísa. 

 

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