segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

22.10.25

 

Chove aquela chuva de molha mais os tolos do que alimenta os ribeiros secos de água há vários meses ou mesmo anos. Olhou pela janela optando por aguardar um tempo, já que no seu aparelho de comunicação as previsões do tempo lhe indicavam apenas céu encoberto. Por detrás das nuvens compactas o deus Sol ainda não estará na linha do horizonte. De qualquer modo já vestiu o seu impermeável para a chuva porque está na hora de saírem para a volta matinal. Olhou mais uma vez a rua, observando com cuidado as nuvens do lado do mar e depois do lado sul. Mandou a Sacha sentar-se, pôs a coleira e saíram os dois. Na rua viu as pessoas de todas as manhãs que vão para o trabalho. Nenhuma levava chapéu de chuva aberto. No céu uma enorme carga de água aproximava-se. Seguiram o caminho habitual das manhãs. Quando sentiu o vento correr depressa adivinhou a chuva que começou a cair logo de seguida. Não voltou para trás, a Sacha andava indiferente à chuva pois tinha-lhe colocado o seu oleado, mas com muita atenção ao atravessarem a estrada na passadeira, já que não faltam automobilistas desrespeitadores das mesmas. Se no início a chuva não era intensa à medida que caminhavam, ia sentindo a sua ação. Também a Sacha ia procurando limpar o focinho com as suas patas. As pernas não cobertas pelo oleado escorriam água assim como os pés todos encharcados. Quando o relâmpago incendiou o céu logo seguido do estrondo do trovão a Sacha manteve-se calma continuando a andar sem se preocupar com os odores que os postes, as árvores e as esquinas sempre tem. Quando chegaram à porta do prédio para entrarem os dois pingavam água da chuva.

26.10.22

Depois de limpar a Sacha que não se deixa secar totalmente, de ter mudado de roupa e tomado o pequeno almoço, sentou à secretária. Olhou se tinha alguma mensagem das filhas, mas só silêncio encontrou. Vieram-lhe à memória outras molhas num outro tempo tão longe mas que se mantém nas gavetinhas da sua memória. Se na mais antiga ainda andava de bicicleta do Lugar da Estrada para a escola em Peniche, teria ele os seus 14 anos, no inverno ao terminar as aulas decidiu pôr-se a caminho de casa contra o parecer do seu irmão e de outros colegas que preferiram aguardar pelo horário da camioneta, procurando desse modo evitar a chuva que se adivinhava nos céus de Peniche. Ele com um outro colega fizeram-se ao caminho e mal passaram os portões da cidade começou a chover. Não tinham ainda saído da cidade quando ficou sozinho, já que o amigo apanhou uma boleia de alguém que o conheceu. A chuva caía grossa. Ele sem oleado já estava todo molhado. Com tanta água na estrada o dínamo que lhe dava luz deixou de funcionar enquanto pedalava sozinho naquela estrada onde nem os carros passavam. Um princípio de noite tempestuoso mantinha a bicicleta sem sair da estrada que era iluminada pelos constantes relâmpagos. No cruzamento do Casal Franco estava lá a Polícia de Viação de mota, mas nada lhe disseram por pedalar às escuras. Noutra ocasião ter-lhe-iam passado a respetiva multa que tanto gostavam de caçar, mas também eles estavam abrigados daquela chuva que parecia nunca mais acabar. A sua mãe quando o viu chegar encharcado até aos ossos deitou as mãos à cabeça e levando-o para junto da braseira logo o despiu e o vestiu tentando aquecê-lo para que não ficasse doente, que no dia seguinte teria novamente de ir para a escola em Peniche na sua bicicleta. O irmão chegou na camioneta das sete e meia, seco e sorridente gozando com ele.

Da outra molha que guarda memória já andava por Lisboa, no primeiro ano do Instituto Comercial. Nas férias do Natal foi à sessão das 15H00 no cinema Império ver o filme "A Louca de Chaillot". Terminada a projeção, quando saiu do cinema Império chovia uma chuva que não sendo de molha tolos não era chuva a sério. Ele tinha o seu chapéu de chuva, mas como até gostava de sentir a chuva, caminhava descendo a Avenida Almirante Reis de chapéu fechado apanhando chuva. Fez o caminho a pé até ao Cais do Sodré onde apanhou o comboio para Caxias. Quando chegou a casa de sua tia já lá estava a sua mãe e todos ralharam com ele.

Ao escrever essas memórias sente-se contente por o seu cérebro dar a ideia de que funciona em bom estado. Não tem vergonha em declarar que tem medo do Alzheimer. Quem não terá medo dessa porra degenerativa que torna os seres humanos vegetativos sem memórias. Que será a vida se se perder a capacidade de ter memórias?

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