terça-feira, 23 de novembro de 2021

21.09.10

 

Era o teu dia de nascimento, o 10 de Setembro, não o dia em que um funcionário do Estado decidiu registar-te como se tivesses nascido naquele outro dia que passou a constar nos teus documentos de identificação oficiais. O poder discricionário do Estado vem de longe talvez mais antigo que o próprio Estado. É como a erva daninha que resiste a tudo para continuar a impor-se no tempo de agora.

Este ano as voltas da vida trocaram-me as voltas e assim neste dia dos teus imaginários 98 anos não iremos os dois comer o nosso "bacalhau à brás" às Termas de Monfortinho. Iremos em outro dia. As lembranças de te ouvir falar sobre o arraial do teu tio Sebastião de Salvaterra do Extremo e daí partires para a enumeração dos primos direitos quer dos Moreira de Salvaterra do Extremo quer dos Andrade de Segura. Dos trinta e muitos que eram só um ou outro ficaram, a quase totalidade partiu em busca de uma vida melhor em outras paragens. Dos que partiram só vocês, tu e a mãe, regressaram. Quando atingiste o dia de te aposentares saíste directo do Posto de Santos para apanhares o comboio em Santa Apolónia com destino à Zebreira. Ah, as lembranças continuam… pai.

Se cá estivesses ainda muita coisa teríamos de falar os dois, muitas coisas inclusive dos teus amigos(?) políticos concelhios que tão diferente são hoje daquilo em que tu acreditavas piamente. O poder e o dinheiro dão a volta à cabeça a muita gente que chega à política sem a formação ideológica do que representa ser socialista ou social-democrata e como os fins justificam os meios servem-se de tudo sem olhar a meios para se garantirem no poder e desse modo criarem uma corte de vassalagem.

Eu sei que te custaria ouvir aquilo que te falo. Tu até foste numa das tuas últimas intervenções/acções votar na concelhia pelo actual Presidente e de novo candidato. Eu sei e não esqueço, pai. Mas como tu já cá não estás digo-te que em oito anos de mandato fora os de vereador, tirando as festas da migas e dos saltos de cavalo, se em Segura não mexeu uma palha na Zebreira não mexeu um dedo. Para eles o Município termina na linha imaginária que estabeleceram de Monfortinho, Penha Garcia, Monsanto, Idanha-a-Velha, Idanha-a-Nova e Ladoeiro. Os que estão abaixo dessa linha por eles decidida são forasteiros, cidadãos de segunda, apenas contam quando se aproximam eleições e aí as promessas e os projectos não lhes faltam.

Lembras-te pai de irmos tomar banho no rio Erges junto à ponte em Segura, de falarmos das condições paisagísticas que o Rio Erges apresenta para se poder fazer um parque com praia fluvial, recuperando a azenha? Pois é pai, aqueles que julgavas serem teus amigos, mais uma vez apresentam um projecto elaborado em Lisboa por adjudicação directa (como se o Município não possua nos seus quadros arquitetos capazes de elaborarem um projecto mais apropriado até). Os de Lisboa ou foram a Segura tirar umas fotos ou consultando o Google apresentam ideias para criarem a ilusão ao pessoal de que já estão a trabalhar com unhas e dentes na realização do mesmo. Projecto elaborado a correr que simplesmente ignora a existência da antiga azenha junto ao rio. Muitas outras conversas iríamos ter pai mas fico-me por aqui já que não te quero desiludir mais do que quando partiste desta viagem terrena.

Há 98 anos nasceu, do ventre de sua mãe, um homem bom; mas mais do que ser um homem bom foi um homem íntegro e honesto com a sua própria condição. Um exemplo de bom pai e melhor avô. Um homem que o passar do tempo não apaga as lembranças que ele semeou e deixou.


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