segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

05.07.23

 

O meu pai foi o único dos 4 irmãos que não foi mandado estudar para o liceu de Castelo Branco. Como parece que a sua mãe, minha avó Maria de Jesus, desejava ter um filho padre, mandaram-no para o seminário. O miúdo João, ao chegar e olhar os muros muito altos e os grandes portões de ferro do seminário, fez meia volta-volver e regressou à sua casa em Segura. O pai Luís "Mouco" ( de alcunha) quando o viu regressar disse-lhe: - ai não quiseste lá ficar, vais guardar as cabras.

Assim começou a sua vida de trabalho no campo aos 11 anos, a qual juntava o ter de cuidar do irmão Raul mais novo uns anos bons, de tal modo quando os amigos queriam ir a algum lado ou parodiar lhe diziam para deixar a alcofa do irmão Raul num silvados perto. Não há muito tempo que um senhor que está no lar do CCBES da Zebreira ao passar no seu passeio junto à minha casa meteu conversa comigo e ainda guardou porcos para o meu avô Luís, dizendo-me que o pessoal gostava mais de trabalhar com o irmão Chico porque o meu pai João era mais exigente do que o Chico, que entretanto tinha abandonado os estudos e trabalhavam os dois irmãos a casa agrícola, já que o pai Luís "mouco" legionário salazarista convicto, gostava mais de andar nas putas e boa vida de Castelo Branco do que gerir a casa agrícola, acentuando as divergências com os filhos em especial com o meu pai. Divergências que chegavam ao ponto e terem uma égua que só os dois irmãos, Chico e João, montavam porque todos os outros que procurassem montá-la iam de imediato ao chão, o velho Luís não deixava que o filho João a pudesse utilizar para vir namorar a minha mãe à Zebreira e, não fosse um ganhão amigo do meu pai no arrendamento que tinham junto à Zebreira que a guardava escondendo-a, o João Moreira para vir aos fins de semana namorar a Luísa Sousa, teria de vir a pé de Segura à Zebreira onde pernoitava na casa do amigo do seu irmão Chico, o senhor José da Silva que nesse tempo já exercia como alfaiate, criando-se amizades que veem de longe.

Quando por força da II Grande Guerra o medicamento alemão que mantinha o coração de sua mãe, minha avó Maria de Jesus, a funcionar faltou no mercado não havendo substituto, o coração dela deixou de funcionar e a casa agrícola foi à praça por insolvência. O sonho e a ambição do João Moreira de se tornar lavrador caiu por terra. Toda uma juventude a trabalhar a terra de sol a sol para ficar com umas oliveiras num terreno dos quatro irmãos. O João e o Chico voltaram costas ao campo e entraram para a Guarda Fiscal. O irmão mais velho Manuel era militar e assim continuou. O mais novo o Raul, continuou a estudar no Liceu de Castelo Branco com os irmãos a suportarem os gastos, que depois ele reembolsou aos irmãos.

Foi assim que o João Moreira com a Luísa Sousa e os filhos João e Carlos foram viver para o concelho de Peniche depois de uns anos vividos nos Olivais onde os dois rapazes nasceram.

O meu avô Luís passou a andar por casa dos filhos. Continuando a não ser uma pessoa fácil alguns dos irmãos colocavam-no num lar o tempo que lhes pertencia. Quando se deu o 25 de Abril logo virou as suas esperanças para o “Pinola” como chamava ao general Spínola, batendo com a bengala no chão dizia que o “Pinola” ia por isto tudo e o país na ordem. Faleceu no Hospital de S. José onde estava internado aos 83 anos, e, segundo disseram ao meu pai, antes de morrer chamava por mim, mas eu estava em Angola.

O êxodo das gentes do interior em busca de uma vida melhor é mais velho que a própria nacionalidade. A Egitânia, hoje designada Idanha-a-Velha, no tempo em que os romanos cá estiveram chegou a ter cerca de cinco mil habitantes, para depois quando os mouros por cá andaram perder população e por mais doações destas terras que os primeiros reis de Portugal fizessem quer aos Templários quer a outros Nobres para a sua repovoação nunca mais a velha Egitânia recuperou, andando hoje à volta dos cinquenta habitantes (62 segundo censos de 2011). Até mesmo Monsanto onde Fernando Namora exerceu no início a sua carreira de médico, são muito mais as casas que os resistentes habitantes.

Seu pai com o desgosto de todo o esforço ter ido à praça esteve dezasseis anos sem voltar à sua terra, assim a Luísa Sousa vinha de dois em dois anos com os seus dois rapazes passar o mês de Agosto em casa de meus avós Chico Capelo e Maria Isabel que moravam na Rua do Espírito Santo, até depois da festa à Nossa Senhora da Piedade terminar no dia 9 de Setembro. Diga-se a verdade que os dois rapazes não faziam muita questão em deixar a praia e os amigos para virem para a Zebreira onde não havia eletricidade, nem água canalizada, sendo que gostavam de ir ainda de madrugada com o avô e o burro buscar água aos poços e fontes; para piorar por força do calor não os deixavam sair de casa entre as duas e as cinco da tarde. Desse modo muito poucos amigos foram criando nas férias que passaram Zebreira.

Com o falecimento dos meus avós e a chegada do serviço militar, só voltei à Zebreira quando meus pais vieram para cá morar.

O seu pai no dia em que se aposentou da Guarda Fiscal já nem passou pela casa que tinham nos Olivais Sul, apanhando logo em Santa Apolónia o comboio para Castelo Branco e a carreira para a Zebreira onde já estava a minha mãe na casa que entretanto tinham construído junto à Estrada Nacional.

Na sua atividade política meu pai foi por duas vezes escolhido pelo PS e pelos votos para presidir à Junta de Freguesia. Um dia o presidente do Município o sr. Joaquim Morão falou-lhe que havia pessoas a pedirem para se acabar com a Lagoa no Valcabeiro. Meu pai disse ao seu Presidente para o mesmo vir num fim de tarde observar os benefícios que aquela charca com muitos anos de existência ainda tinha para animais e pequenas hortas com poços sem água no verão. Assim aconteceu, o senhor Presidente Joaquim Morão veio ver e a charca Lagoa do Valcabeiro continuou a matar a sede aos animais e às plantações nas hortas circundantes sem esquecer as pocilgas dos porcos que por lá também existiam.

Anos mais tarde por questões pessoais e políticas o Município levou a cabo a desafetação da charca mandando construir no local instalações para um Lar Social. Terminada a primeira fase do projeto o Município chegou a acordo com o CCBES que tinha a gestão do Centro de Dia para passar a gerir o Lar acabado de construir.

Não foi a direção do CCBES da Zebreira que pediu mas o Município que para solucionar o problema pediu e acordou que o Lar passasse a ser gerido pelo CCBES da Zebreira, que desse modo deixou as instalações próprias do Centro de Dia sem utilização, para se ocupar da gestão do Lar e dos problemas que o edifício apresenta, quando havia tantas outras opções melhores para a sua realização.

Já as fotos da procissão que na festa de Setembro se realiza, mostram que nesse ano em que as tirei ainda existia a casa da minha tia Maria do Carmo, que o Município comprou para a deitar abaixo de modo a facilitar a passagem das camionetas. Agora não sei se a procissão ainda desce a Rua dos Fornos e vai ao Espírito Santo, porque na vida tudo muda tudo cambia segundo a segundo.

Com estas histórias e vivências comprovo que sou um português de lés a lés, da fronteira terrestre com a Extremadura à fronteira marítima de Peniche, que com o passar dos anos me vou sentindo português, depois ibérico e europeu do sul com todas as crenças e fé das tradições judaico-cristãs que à volta do Mediterrâneo se criaram e afirmaram ao longo do tempo de muitos séculos.

No meio das muitas duvidas que me povoam, tenho a certeza que não somos todos iguais, cada um de nós é um pequeno mundo diferente do outro, até os irmãos gémeos não são iguais. Iguais nos direitos, deveres e obrigações é outra coisa diferente mas até isso está dia a dia mais longe de se atingir.




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