domingo, 14 de janeiro de 2024

29.11.23

 

Faz logo à tarde quarenta e nove anos. Tento neste acordar madrugador encontrar na memória alguma recordação de onde estaria há quarenta e oito anos, apresentando-se a mesma com algum nevoeiro que não me deixa ter certeza de todo, mas somando e subtraindo factos quase de certeza que neste mesmo dia estava na base tática do rio Chinhondze a um pouco mais de duzentos quilómetros do Mumbué.

Não foi a nossa companhia que montou aquelas tendas, uns meses antes tinha estado com o meu grupo mais acima numa outra base a dar apoio logístico à operação que a cavalaria dos Dragões de Silva Porto, montados em cavalos puro sangue sul africano, efetuaram durante umas semanas nos limites do setor.

Na base do Chinhondze quando aguardávamos ser rendidos pela terceira companhia a coluna destes com as chuvas uma das berliets atascou demorando cerca de dois dias a nossa rendição; na base já não tínhamos petróleo para a arca frigorífica e frigorífico trabalharem, restavam uns quilos de massa e a carne de caça, assim como já não havia cerveja, nem a zurrapa designada por vinho, restavam umas garrafas de aguardente Aveleda. A carne apodrecida era o que tínhamos para comer com massa, bem se esmerava o cozinheiro na confeção da mesma não evitando o cheiro para que se comesse o pitéu tapando as narinas com os dedos de uma mão enquanto a outra levava massa e a carne à boca que logo se engolia, no final do repasto bebíamos um pouco de aguardente. Nenhum de nós adoeceu ou se sentiu mal depois de comermos massa com carne podre, confecionada com esmero pelo cozinheiro que também a comia como todos os que sobrevivemos naquela base.

Hoje, logo à tarde, passam quarenta e nove anos, que chegamos ao mesmo local de partida, o aeroporto de Figo Maduro. Quarenta e nove anos que alguns dos valentes e fieis militares não podem celebrar por terem já sucumbido aos reveses que a vida lhes deu. Para os que estamos resistindo, quarenta e nove anos é uma quase vida.

Algumas vezes fugi à pergunta que antigos companheiros da aventura militar me faziam, “acha que valeu a pena tanto sacrifício?”, hoje e já há alguns anos que respondo: - “Não, não valeu a pena”.

Ainda este ano numa conversa de Facebook com o amigo João Pundo Pundo, que na altura era um menino do quimbo Cauéué, ele me dizia que a população da agora Comuna do Mumbué vivia melhor no tempo da tropa portuguesa. Por aqui me fico, eu que tresmalhado do rebanho não sou nem colonialista nem neocolonialista à moda dos auto designados “ocidentais”, África é dos povos africanos e dos que queiram ir para lá viver respeitando a Natureza, as suas gentes, povos e hábitos segundo a direção que os próprios africanos escolherem para o seu presente futuro.



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