quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

12.07.23

Fugindo das notícias de sentido único sobre a maldita guerra que ocorre no leste europeu, lembro-me de uma outra guerra que se iniciou quando ainda tinha dez anos, que nos meus dezassete anos ouvia na rádio os senhores da guerra dizerem que a guerra estava ganha por ação dos valentes e heroicos militares das nossas tropas que nas três frentes da guerra em África combatiam os terroristas inimigos da Pátria e da fé cristã.

Estava a guerra ganha, diziam os senhores que mandavam os jovens para a guerra no mato, porque havia outras várias formas de ir à guerra sem correr risco de vida.

Estava ganha, tão ganha e certa era a vitória que os contingentes militares por necessidades logísticas nas frentes de combate passaram a viajarem de avião, meio de transporte muito mais rápido que o transporte nos navios fretados às companhias marítimas existentes. Foi assim, com a guerra ganha como diziam os que mandavam no país que embarquei com a minha companhia de caçadores na noite de 15 de Dezembro de 1972 num avião TAM. Era o comandante do terceiro grupo de combate. Na EPI em Mafra tive mais uma nota de curso com a média de 12 valores (nem bom, nem mau, sempre suficiente). Quando chegou a altura de se escolher o primeiro período de férias, aguardei que o capitão e os dois alferes mais graduados escolhessem os seus períodos de férias, porque só um dos oficiais poderia estar ausente do arame farpado de férias. Tive sorte. Sensivelmente ao fim de oito meses podia sair daquela terra que nunca senti como minha, nem tão pouco como a continuação do meu próprio país. Era o "aerograma" para nós militares destacados nas frentes de combate africanas a forma gratuita de comunicarmos com o mundo familiar e exterior. Num dos muitos aerogramas que escrevi pedi ao irmão para comprar uma tenda de campismo e um saco cama. O meu irmão foi à Casa Sena na Rua Nova do Almada e comprou o que lhe pedi.

Vim de férias num avião TAP a meio do mês de Agosto de mil novecentos e setenta e três. No aeroporto de Lisboa apanhei um táxi com o taxista a resmungar por o destino ser nos Olivais Sul junto à Avenida Infante D. Henrique, cobrando-me o suplemento da mala. Não lhe dei troco nem tão pouco gorjeta. Oito meses antes tinha saído de casa ainda em gozo das férias que os senhores da guerra davam aos jovens mobilizados para se despedirem da família. Como não fui capaz de ver a minha mãe a chorar com medo que o seu menino morresse na maldita guerra, uns dias antes das férias acabarem inventei um serviço e fui no comboio para o Porto e depois para Viana do Castelo sem me despedir de minha mãe, já que o meu pai lendo o meu silêncio angustioso acompanhou-me até ao cais do comboio em Santa Apolónia para o Porto para um minuto antes do comboio dar o sinal de partida nos abraçarmos e beijarmos sem trocar uma palavra, nenhum dos dois sabia se aquele abraço se aquele beijo era o último. Quando o comboio começou a andar e a imagem do meu pai imóvel no cais a olhar meus olhos encheram-se de lágrimas revoltosas apagando da memória a viagem assim como os dias que passei em Viana do Castelo andando a vaguear a pela margem do Rio Lima até que chegou todo o pessoal da minha companhia; todos decidimos ir para terras distantes e totalmente desconhecidas lutar contra o inimigo que não conhecíamos.


Minha mãe quando o meu irmão chegou a casa acompanhado dos meus primos de Azambuja aquela hora da noite do dia 15 de Dezembro de mil novecentos e setenta e dois viu de imediato que o seu menino já tinha partido para a guerra sem lhe dar um beijo sem a abraçar a ela que o tinha gerado, parido e criado com tanto amor. Passados oito meses à casa regressava sem ter dito nada da minha chegada. Toquei à campainha e a porta da rua abriu-se, na época o prédio não tinha comunicador subi no elevador e toquei à porta do 8°C. Minha mãe ao abrir a porta e ao ver-me correu para dentro de casa chamando pelo meu irmão para ver quem tinha chegado e, só depois me abraçou me encheu de beijos e mimos logo preocupada com o meu aspeto físico. Naqueles oito meses tinha emagrecido cerca de dez quilos e ela sempre gostou que fosse mais forte do que era. O irmão, por já andar no ISCEF tinha pedido espera do serviço militar, um benefício que o regime concedia aos estudantes universitários.

Tínhamos um amigo alentejano que não só tinha tirado o curso de Contabilista com o meu irmão como viajava também de comboio para a Estação do Rossio, nós do Apeadeiro de Cabo Ruivo e o amigo da Estação de Entre Campos. Era o amigo Geraldo um pouco mais velho de idade que nós, trabalhando já num escritório de contabilidade depois de ter cumprido o serviço militar na cidade de Beja.

A trabalhar, o amigo Geraldo comprou o seu primeiro carro em segunda mão, um Fiat 850. A primeira viagem que os três fizemos no Fiat foi irmos passar um fim de semana à Consolação estreando a tenda que o irmão tinha comprado com o dinheiro do pré que eu cá deixava.

Na semana seguinte o amigo entrava de férias uns dias, combinando os três irmos até ao Algarve onde eu e o meu irmão nunca tínhamos ido. O amigo Geraldo combinou com um casal amigo dos tempos de estudante almoçarmos com eles em Porto Covo. Saímos cedo de Lisboa rumo a sul com o acordo de que tínhamos de dar um mergulho nas praias por onde passássemos. Foi assim que nessa manhã chegados a Sines estacionado o Fiat 850 lá fomos os três ao banho na praia de Sines com as obras do Porto já a decorrerem. De novo aprumados o Fiat deslizou pela estrada à beira-mar até Porto Covo, onde o casal, ambos engenheiros, já nos aguardavam. Feitas as apresentações e os cumprimentos fomos almoçar uma ótima caldeirada num restaurante da então ainda pequena aldeia de Porto Covo. Comemos, bebemos e fomos conversando à boa moda do Alentejo, estávamos de férias e a pressa não ia connosco. No final da tarde descemos à praia onde conhecemos umas moças que como nós viajavam sem pressa mas elas já estavam de regresso das férias. Tomado mais uma banho de mar, voltamo-nos a encontrar com os amigos para degustarmos umas excelentes gambas e bebermos mais uns copos. Era já noite quando os três bem jantados e bebidos iniciamos a viagem para o Monte onde os pais do amigo Geraldo viviam perto de Castro Verde. Com algum receio mas sem nos enganarmos no caminho lá conseguimos chegar ao Monte a altas horas da noite, enfrentando nova aventura pois as portas e janelas de casa estavam trancadas sendo os pais do Geraldo “surdos que nem um porta”. Estávamo-nos a preparar para dormirmos no carro, quando o “anjo” irmão mais novo chegou da noite em Castro, permitindo assim que entrássemos e pudéssemos dormir em camas. Na manhã seguinte quando acordaram e se levantaram os manos, João e Carlos, conheceram a mãe e o pai do amigo Geraldo assim como toda uma mesa cheia de iguarias que a mãe fazia. Naquela mesa desde o pão passando pela manteiga, queijos, ovos e compotas tudo a mãe do amigo fazia em casa. Ainda hoje recorda aquele pequeno almoço. Conhecido o Monte o amigo levou-nos a conhecermos Castro Verde. Depois de almoçarmos, como o calor apertava decidimos descansar, até porque havia um lanche especial em que a nossa presença iria ajudar um amigo dos pais a enganar um seu familiar que se recusava a comer carne de burro. A mãe do Geraldo preparou o petisco com a carne de burro que o amigo previamente lhe trouxe e à hora certa chegaram os dois familiares. Depois dos cumprimentos normais sentamo-nos todos à mesa a degustarmos o petisco com o familiar que se recusava a comer carne de burro sem desconfiar do que comia gabava a qualidade e o sabor da carne.
Quando o calor da tarde amainou juntou-se-nos o irmão mais novo do Geraldo que nunca tinha ido a uma praia. Os quatro no Fiat rumamos a sul, sem pressa de janelas abertas para que a natureza pudesse ir ouvindo o excelente canto alentejano do condutor. Quando encontrávamos uma placa rodoviária indicando a velocidade de 60 baixava-se a velocidade para 30 lá cantando. Portimão era o primeiro destino, chegamos já era noite. Saímos de Portimão em direção a Lagos mas sempre que víamos um foguete estourar no ar o Fiat logo se direcionava para lá de tal modo que não demos pelas horas passarem. Quando altas horas da noite chegámos à porta do Parque de Campismo do Esperança de Lagos a porta estava encerrada. Decidimos ir em busca de um local onde pudéssemos montar a tenda e descansar. Cansados e desconhecedores da zona lá encontrámos um sítio. Ainda mal tínhamos dormido quando somos acordados pelo apitar e barulho do comboio. Assarapantados levantámo-nos e só então reparámos que tínhamos montado a tenda a cerca de dois metros dos carris da linha férrea. Acordados e mal dormidos fomos de novo para o parque de campismo. Cumpridas as formalidades montamos a tenda para permanecermos uns dias em Lagos. Passámos a maior parte do tempo na Meia Praia onde na baixa-mar nos entretínhamos a apanhar conquilhas que depois as dávamos aos casais que por lá andavam na apanha do precioso bivalve. Recordo a nossa admiração ao vermos que a maioria dos pescadores que existiam na ria em plana cidade se situavam nas saídas dos esgotos pois era aí que mais peixe capturavam.
Saímos um dia de Lagos com destino à Ilha de Armona em Olhão, mas sempre sem pressa tomando banho nas praias por onde passávamos. Paramos já noite na Quarteira. O meu irmão João imaginou que poderia encontrar por lá a passear uma colega do grupo de Económicas e lá andamos pela marginal mas a gente era tanta que seria tarefa quase impossível encontrar a colega, pelo que desistimos acabámos por montar a tenda na areia perto de um chuveiro para de manhã nos poderemos lavar.

Saímos de Quarteira indo de praia em praia tomando banho. Almoçámos em Faro num restaurante onde o empregado nos quis cobrar indevidamente 10% de taxa turística já que ao pagar lhe apresentei o meu bilhete de identidade militar pois os militares estavam isentos da mesma. Ainda se gerou uma pequena discussão com o empregado mas pagámos sem os 10% porque não nos considerávamos turistas e eu era militar. O amigo Geraldo quando fez o serviço militar em Beja como alferes criou amizade com um furriel de Olhão, cuja família tinham um lugar de venda na praça do peixe e marisco com a esposa a trabalhar num armazém de marisco. Estava tudo combinado para depois de nos encontramos com o novo amigo dirigirmo-nos ao armazém onde a esposa trabalhava e aí comprarmos uma caixa de gambas cozidas, indo depois sentarmo-nos numa esplanada comendo-as acompanhadas das respetivas imperiais; era normal naquele tempo o pessoal das esplanadas aceitar que apenas consumíssemos as bebidas para acompanhar o marisco comprado em outro local. A tarde estava a chegar ao fim estacionado o Fiat fomos com a trouxa às costas apanhar o barco para a Ilha de Armona, montando a tenda junto à Ria Formosa numa pequena duna que o amigo de Olhão nos tinha indicado.
Era o fim de Agosto início de Setembro e não havia muita gente na Ilha. Nos dias que lá passámos ficámos mais pela Ria do que pela Costa. O Bar do Tolinhas foi o ideal para aqueles dias de descanso. Aí entabulámos conversa com um grupo de moças que lá estavam lá de férias com os pais. À noite jogávamos jogos de cartas com elas sob o olhar atento e vigilante dos pais. Tinham passado três anos desde que abandonei a minha primeira namorada e não mais tinha encontrado alguém de quem gostasse, mas naquele final de Agosto princípio de Setembro no Bar do Tolinhas gostei de uma das moças que estava com o pai perto do local onde estávamos acampados. Quando chegou o dia de iniciarmos o regresso a casa e o Geraldo ao trabalho, ao despedirmo-nos das moças soube que ela iria voltar para Lisboa na semana seguinte e onde almoçava todos os dias de trabalho. Uma semana e um dia depois apareci no “self-service” existente no edifício Franjinhas na Rua Braamcamp em Lisboa onde ela almoçava.
Regressei da guerra em Angola a 29 de Novembro de 1974 para a 4 de Outubro de 1975 nos casarmos.
 

 

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