sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

11.10.23

 

Há cem anos um espírito encarnou num ser que acabava de nascer numa aldeia do interior profundo deste torrão entalado entre o mar e a vizinha Espanha. Torrão que a Natureza cedeu aos humanos que ao longo da sua história tão mal o tem tratado.

O ser nascido naquela ocasião milagrosa era uma menina, primeira filha do casal a quem os pais puseram o nome de Luísa. Menina que cresceu fugindo da mortalidade infantil, e, ao andar na escola primária, trocou de olhar com um jovem miúdo de outra escola de aldeia vizinha que tinham ido em visita à sua escola.

Aquele olhar das duas crianças em terras de fronteira não mais foi esquecido quando cresceram e se tornaram adultos vindo a casar.

Dessa união de cumplicidades múltiplas nasceram três anos depois dois rapazes no mesmo ano.

Viveram os quatro em união, com os pais a fazerem todos os sacrifícios para que os dois rapazes pudessem estudar de forma a terem uma vida onde os sacrifícios não fossem tão pesados como os vividos por eles num tempo onde a ditadura política impunha ao país uma vida de miséria acorrentada.

Viveram os quatro em união até que o mais novo partiu para a guerra e o mais velho rumou a Coimbra para ser professor universitário. Depois de tantos sacrifícios suportados para bem dos filhos, respirava de satisfação e dever cumprido o casal que quando miúdos na escola primária em terras de fronteira trocaram um olhar.

Há um mês e um dia fez os mesmos cem anos o miúdo que trocou de olhar contigo. Foste embora desta viagem que é a vida primeiro do que ele uns anos bons. Há um mês e um dia também o recordei fazendo para partilhar com a sua memória um bacalhau à Brás e, como hoje faço contigo também lhe escrevi, sabendo eu que nem tu nem ele vão ler o que vos escrevo.

Nunca me despedi de ti mãe, nem quando fui para a guerra, nem quando peguei no teu corpo inerte para o colocar naquela caixa de madeira, talvez por nunca me ter despedido de ti ainda te escreva como neste dia do teu centenário.

Por cá a vida no Planeta continua com o continente europeu a fazer jus a sua história de violência em guerras fratricidas. A luta pacífica pela Paz e concórdia entre os povos foi derrotada, pela ganância, pelo ódio e ambição de poder. Vejo e leio o que falam uns e outros, mas como não alinhado que sempre fui, sabemos tu e eu por experiência própria que os senhores das guerras nunca falam verdade, porque a verdade antes de ser dado o primeiro tiro, o primeiro ataque de guerra já desertou para parte incerta.

De novo e mais uma vez morrem jovens soldados que nem se conhecem enquanto os senhores mandantes da guerra e seus lacaios continuam a discutir fazendo difundir vergonhosas notícias e comentários que apenas fomentam o ódio entre os povos para que eles possam viver anafados nos seus palácios onde se recusam a ver o sangue que escorre pelas paredes dos seus gabinetes forrados a ouro.


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