quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

17.09.23

 

Quando crianças e jovens vínhamos com minha mãe visitar os avós maternos de dois em dois anos. Vinhamos no mês de Agosto regressando os três após a festa de Setembro em honra de Nossa Senhora da Piedade para junto do pai.

Os avós viviam na Rua do Espírito Santo e era por ali que os passávamos as férias, com uma ou outra visita a familiares acompanhando a nossa mãe. Os tios-avós e primos viviam quase todos nas imediações do Espírito Santo. Já os bisavós paternos João Antunes e Luísa do Carmo por lá viveram e criaram os filhos na lavoura, tendo os rapazes e a única filha feito a escola primária. Ficou o meu bisavô João Antunes, tutor de um sobrinho que tinha ficado sem os pais. O sobrinho José Antunes foi mandado estudar e veio a exercer a profissão de professor primário, tendo casado em Segura com uma irmã do meu avô paterno. Era o casal primos pelo lado materno e tios pelo lado paterno. Sei que o primo que também era tio foi professor primário na Moita dos Ferreiros, concelho da Lourinhã antes de o casal se fixar em Coimbra. Teve o casal uma filha de sua graça Maria José Antunes, que estudou e se licenciou em Matemática ganhando a vida dando explicações aos alunos do liceu e da universidade. O primo José Antunes morreu cedo, nunca o conheci em vida. A mãe Maria Andrade irmã do meu avô Luís Andrade de Segura, mais conhecido por Luís "Mouco", e a filha Maria José vieram viver para a Zebreira na casa que tinham junto à Capela do Espírito Santo. Algumas histórias se contavam na família, sendo uma a de que a minha prima Maria José tinha dado explicações às duas filhas de Salazar, de quem a minha tia, sua mãe, era tão devota como da igreja. Mais tarde já a prima Maria José tinha falecido, viemos a saber que quando estudante se enamorou de um rapaz também estudante, cujo namoro os pais lhe proibiram terminantemente porque o rapaz era simplesmente de família goesa, não era um português puro para os pais salazaristas. A minha prima nunca casou nem tão pouco se soube que depois tivesse tido alguma paixoneta, embora fosse uma mulher bonita e elegante. Quando faleceu vivíamos nós os quatro no Lugar da Estrada em Peniche.

Voltando às férias com os meus avós, sempre me lembro de dia sim dia não irmos visitar a minha prima Maria José e a mãe Maria Andrade. Íamos porque mesmo em férias a minha prima nos passava exercícios para fazermos e lhe mostrar, ensinando-nos quando não fazíamos bem os mesmos, exercícios de matemática, de física e de química.

Depois dela falecer continuamos a visitar a mãe tia Maria Andrade que andava sempre com o terço na mão, queixando-se de tudo e de todos exceto de Salazar, do senhor padre, dos doutores e primos tão ou mais ricos que ela.

Quando a 29 de Novembro de 1974 regressei da guerra em Angola, os meus pais estavam na Zebreira na apanha da azeitona, os meus avós já tinham falecido. Quando vim dar-lhes um abraço para a minha mãe se convencer de facto que o filho tinha sobrevivido à guerra, fomos os três à noite visitar a tia Maria Andrade que estava muito preocupada com o rumo que as coisas estavam a ter na vida dos portugueses; de queixume em queixume chegou-se à insolvência da casa agrícola do meu avô Luís "Mouco" com a tia a defender o irmão culpando a minha avó Maria de Jesus pelo sucedido, ao ouvir tal coisa, saltou a tampa ao meu pai que levantando-lhe a voz lhe disse: "se a senhora mais alguma vez fala mal da minha mãe, pego em si e mando-a pela janela fora", levantando-se terminando a visita e nunca mais o meu pai lá voltou a pôr os pés.

Após a filha ter falecido foi a tia Maria Andrade ao Notário de Idanha-a-Nova fazer testamento, deixando todos os bens, que não eram poucos em número e valor, à Santa Casa da Misericórdia de Idanha-a-Nova, porque dizia a senhora minha tia "que os sobrinhos eram todos ricos pois todos traziam os filhos a estudar". Ou seja, para os fiéis salazaristas só os ricos punham os filhos a estudar.

Após Abril mudou de opinião pois dizia que os malvados socialistas e comunistas tinham assaltado a Misericórdia de Idanha, alterou o testamento deixando como herdeira a sua prima de coração que era a Conservadora ou Notária, já não me recordo, sendo pessoa abastada e rica de bens.

A rica herdeira era tão amiga que quando a prima, minha tia, faleceu, nem um carro funerário arranjou, vindo a falecida num carro dos bombeiros, tendo o meu pai que pedir a três amigos para o ajudarem a transportar o caixão para o "mausoléu" da família.

Herdei da minha prima Maria José dois livros, um de química e outro de matemática que ela utilizava connosco e que me serviram para mais tarde eu dar explicações ajudando com sucesso outros jovens mais novos. Procurava os livros nos caixotes que tenho ainda por arrumar, para dar o de química à minha neta Maria, quando encontrei algumas preciosidades de um tempo em que o livro era o único meio de aprendizagem.

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